segunda-feira, junho 29, 2020

Festas Juninas: Recordações de Senhor do Bonfim/BA


Festa de São João, Senhor do Bonfim - 2002


O mês de junho me traz lembranças agradáveis e comoventes dos 6 anos e 8 meses em que morei na Bahia. Lá aprendi a desejar Feliz São João com mais intensidade e frequência do que desejo Feliz Ano Novo, no mês de dezembro. Havia cenário e clima apropriados para que nos envolvêssemos nas festas juninas. Lamento apenas não ter ido às festas de Amargosa, cidade conhecida por seus festejos genuínos e animados, mas tenho preciosas lembranças de Senhor do Bonfim, considerada a segunda localidade mais festeira do interior baiano ( ou seria a primeira? )


                                              Juliano ( Gugu ) na Praia do Forte - Ba - 2003


É de se perguntar como fui parar na Bahia, logo que me aposentei da UFSM. Tive uma diarista que, para eventos que ela não conseguia explicar a causa, costumava dizer: foi destino ou milagre. Explicação que eu passei a usar por preguiça de falar, escrever, pensar, mesmo em situações - como minha ida para a Bahia - que têm realmente a ver com trabalho realizado e trajetória de vida. 


                                                    Pedacinho de Ondina, perto de onde morei.


O convite recebido, em dezembro de 1999, para coordenar um Seminário sobre Ensino Superior, no ISBA e , posteriormente, para trabalhar na elaboração do projeto de criação da Faculdade Social da Bahia, foi marcante na minha vida. Os poucos dias que eu pensava permanecer em Salvador, foram-se ampliando....e lá morei até início de setembro de 2006. Além do trabalho  que eu fora contratada para fazer, desenvolvi,  como trabalhos voluntários, dois projetos comunitários, que se tornaram relevantes nas minhas experiências e na minha história pessoal e profissional - um deles, o de Senhor do Bonfim, cujas fotos, lamentávelmente, estão na  minha casa, em Torres, neste tempo de distanciamento social. O outro, na Plataforma, comunidade muito pobre da periferia de Salvador. Os dois, vinculados à Igreja Católica.



                                              Feira Livre, aos sábados, em Senhor do Bonfim


Senhor do Bonfim localiza-se no Semiárido, a 360 km de Salvador e a 110 km de Juazeiro - cidade que divide Bahia e Pernambuco. Bonfim tem uma população ao redor de 75 mil habitantes, e a segunda maior feira do Nordeste - a maior é a de Caruaru. Nos sábados, essa feira é uma festa. Pode-se, entre outras coisas, comprar frutas, verduras, legumes, flores e árvores; cerâmicas, roupas, sapatos, redes; galinhas mortas e galinhas vivas, bodes vivos e bodes em pedaços;  artesanato em couro e em madeira. Pode-se ouvir ali o genuíno forró e as músicas de Luís Gonzaga. Uma festa!


                                                                        Feira de Bonfim


A história de Senhor do Bonfim está  relacionada à busca de ouro e pedras preciosas e à introdução da criação de gado no sertão baiano. Ainda no século XVI, portugueses pertencentes à Casa da Torre, organizaram expedições com destino ao rio São Francisco e às minas de ouro de Jacobina, iniciando a ocupação do interior da província e a formação de canais de comunicação com o litoral. A zona de passagem dessas expedições, com suas rancharias, possibilitou a fixação de vaqueiros, bandeirantes e desbravadores. Foi em  1750, que se estabeleceu  o núcleo que deu origem à cidade.


                                            Paisagem nas proximidades de Senhor do Bonfim


Considerada Capital do Forró, o São João de Bonfim dura em torno de cinco dias. Contam que um prefeito perdeu sua reeleição porque diminuiu a festa para três dias. Na rodoviária, onde chegam centenas de ônibus de todo o estado, percebe-se o início das festividades juninas. As pessoas são recebidas com música - gaita, pandeiro, triângulo e voz. A primeira vez em que lá cheguei, ri sozinha, entre a surpresa e o encantamento, com a animação local - o povo amanhece - e passa o dia - dançando e cantando.


Guerra de Espadas ( foto de divulgação do evento)


Senhor do Bonfim preserva características tradicionais, como trios de sanfoneiros, quadrilhas, bandas de pífanos e alvoradas juninas, quando  multidões dançam pelas ruas durante as madrugadas. Mais tradicional, entretanto , é a guerra de espadas - bambus cheios de pólvora . A guerra é realizada em área determinadas, as casas recebem proteção especial, as luzes são apagadas e as pessoas que brincam com as espadas precisam usar capacetes. Embora me dê medo, é um belo espetáculo. Por indescritível, indico um vídeo onde esse espetáculo pode ser visto: http://www.youtube.com/watch?v=L41vOxvx-UQ



                                                Material de divulgação do São João em Bonfim

Conheci essa parte do sertão em razão de pedido feito por Ramón Serrano, padre espanhol mais brasileiro que muitos nascidos aqui, para que eu assessorasse a Diocese de Bonfim no credenciamento, junto ao Ministério de Educação ( MEC ) de um curso de bacharelado em Teologia. O Instituto Superior de Teologia e Pastoral de Bonfim – ISTEPAB,  locus do curso de Teologia, fora instituído em 2001. No dia 30 de março de 2005, por meio da Portaria Nº 994 de 30 de março de 2005, do Ministério da Educação, foi credenciado o Instituto Superior de Teologia e Pastoral de Bonfim e, no dia 31 de março de 2005, por meio da Portaria de Nº 1.022, foi aurorizado o funcionamento do Bacharelado em Teologia.

                                   Pe. Ramón, um Santo Moderno, um lutador por dias melhores.

 
Esse trabalho fez com que eu fosse a Bonfim uma vez por mês, durante quatro anos. Tornei-me de casa lá.  Como eu ficava hospedada no Seminário, fiz vínculos com pessoas da igreja e da cidade. Da construção à aprovação dos Projetos, tanto do ITEPAB quanto do bacharelado vivi um tempo de intenso aprendizado, humano e intelectual, com pessoas inesquecíveis, coordenadas pelo Pe. Ramón Cazalas Serrano, com a contribuição de Pe. Luís Tonetto, Peu ( Pedro Paulo Souza Rios ), Norma Leite, José Salgado e ...esqueci o nome de alguns cuja fisionomia bem recordo. Deixei amigos e quatro afilhados no Sertão; carrego gratidão e saudades. Segundo uma amiga, sou como uma plantinha - conhecida como alegria do jardim - crio raízes facilmente, basta me largar na terra...


                                                                 Letícia, minha afilhada.


Voltei a Senhor do Bonfim, em 2012. Queria reencontrar amigos e afilhados. Encontrei-os adultos bem formados. Pedro Paulo, o Peu, publicou um belo livro de poesias ( atualmente é professor universitário com Doutorado em Educação) ; Jânio mora em São Paulo; Antônio é padre em Campinas. Jantei na casa de minha amiga Zoraide, que reuniu seus familiares, meus afilhados e alguns amigos meus. Conversamos muito. Relembramos histórias. Rimos ao recordar a Romaria da Terra, em 2004, com seis mil pessoas que percorreram, sob sol escaldante e terra seca e árida, mais de 5km. Eu, sem experiência de peregrinações no sertão, estava sem chapéu e sem bloqueador solar, num vermelhão que tornava pálido o mais robusto camarão, passei mal e fui socorrida por uma senhora na entrada da cidade onde findava a Romária. Tinha febre, dores no corpo e vomitava muito. Desidratação. Fui salva por batida de polpa e  água do coco. Procurei fazer com que o mico fosse um mico discreto. Impossível. Dormi, mas, ao acordar, percebi que a dona da casa fazia relatos do meu estado de saúde para amigos meus, participantes da Romária e curiosos. Fui levada de carro para Bonfim.



                                            Peu, meu querido afilhado. Sou muito orgulhosa dele.


Uma vez eu escrevi : Não é fácil morar no sertão. Como escreveu Euclides da Cunha, o sertanejo é, antes de tudo,um forte. Quem nunca palmilhou a terra seca e árida dificilmente o entenderá. Paradoxalmente, é , no entanto, o povo mais doce e generoso que eu conheço. Dizem que o sol do sertão desperta a doçura das frutas e a coragem de viver. Acredito que desperta também a doçura das gentes. Saudades de lá, mais ainda, neste tempo de Pandemia. Cuidem-se!


                                                            Lidia e eu na Feira de Bonfim

"Tenho fome da extensão do tempo, e quero ser eu sem condições." Fernando Pessoa

2 comentários:

  1. Rosana Zucolo7:49 AM

    Para mim foi fundamental o tempo passado junto contigo nesses projetos. Sempre lembro do Ramón me relatando sobre o sertão e a seca. Dizia que as crianças nascem rosadas e de cabelos lisos. Bastam alguns meses para ficarem com a pele e os cabelos secos e trincados.

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    1. Rosana, realmente tivemos um tempo riquíssimo de aprendizado no sertão - a creche, a aprovação do projeto do bacharelado, o convívio no Seminário, as viagens de ônibus, enfim, a busca da compreensão de realidades tão diversas e diferentes...Sempre foste generosa com teu conhecimento e disponibilidade. Bjs

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