quinta-feira, janeiro 28, 2021

Rio Grande do Sul : Serra Gaúcha/Rolante - 1a. parte



 
 Serra Gaúcha e suas araucárias - Município de Rolante


Do Rio Grande do Sul? Gostaria de conhecer a Serra Gaúcha! Foram tantas as vezes que escutei isso em diferentes estados brasileiros! Como sou da Fronteira, minha vontade imediata é contar das belezas e das atrações de todas as regiões, incluindo, é claro, a Campanha. No Correndomundo, já escrevi sobre Canela, Gramado, São Francisco de Paula, Nova Petrópolis e Igrejinha. Começo, neste 2021/1, a visitar ou revisitar outras cidades da Serra Gaúcha, não tão turísticas ou conhecidas como às que referi, mas igualmente encandoras.


Araucárias - Gramado


A Região da Serra Gaúcha tem dois núcleos turísticos principais. O primeiro núcleo é o da Região das Hortênsias, com destaque para Gramado , Canela e Nova Petrópolis; o segundo, o Vale dos Vinhedos, em que se destacam Bento Gonçalves, Garibaldi e Carlos Barbosa. Nela também está a Região Metropolitana da Serra, criada em 2013, que tem Caxias do Sul como cidade-sede e que reúne os municípios de Antônio Prado, Bento Gonçalves, Carlos Barbosa, Caxias do Sul, Farroupilha, Flores da Cunha, Garibaldi, Ipê, São Marcos, Nova Pádua, Monte Belo do Sul, Santa Teresa e Pinto Bandeira. Todos os municípios correspondiam à Aglomeração Urbana do Nordeste, criada em 1994, acrescida dos municípios de Ipê, Pinto Bandeira e Nova Roma do Sul.



Cascata do Caracol, em Canela


Tanto a Região das Hortênsias, como o Vale dos Vinhedos, dão-nos, com facilidade de acesso e caminhos de rara beleza, oportunidades para visitar dezenas de médias e pequenas cidades com atrações algumas vezes tão belas quanto inesperadas - muitas, bem pouco conhecidas. Apenas com a finalidade de exemplificar, podemos citar: Três Coroas, Carlos Barbosa, Antônio Prado, Flores da Cunha, Garibaldi, Dois Irmãos, Morro Reuter, Ivoti, Taquara, Rolante e  Igrejinha.  Em Campos de Cima da Serra, estão  as cidades com  mais influência gaúcha e com criação de gado, entre elas São Francisco de Paula, Cambará do Sul e São José dos Ausentes.  



                                              Variedade de doces caseiros em Nova Petrópolis


Sobre a Serra Gaúcha há farta bibliografia. A região oferece visíveis marcas de colonização europeia, em especial a alemã e a italiana, sem negar, entretanto, a influência gaúcha. Impossível não admirar a arquitetura local e os jardins e pomares bem cuidados.  A natureza nesta Serra é exuberante, com matas, cânions, quedas d`agua, araucárias e vinhedos, que formam  deslumbrantes cenários.  



                                                              Igreja Matriz de Gramado


Para quem curte fazer compras, a região é um abraço: além da diversidade do artesanato local e das indústrias de malhas, móveis e utensilhos domésticos, há grandes produções de vinhos, espumantes e chocolates. A gastronomia também  atrai visitantes durante o ano inteiro, oferecendo os já  tradicionais café colonial, churrasco gaúcho, fundue e chocolate quente. E tem muito mais para encantar visitantes de qualquer estado ou país.   


                                                                       Aparados da Serra


No meu próximo post, contarei o início do meu projeto de conhecer bem a Serra Gaúcha. Comecei por Rolante, a Capital Nacional da Cuca.  De lá, eu ganhei um fantástico e delicioso presente, que aproveito o espaço para repartir com  leitores e amigos do Correndomundo.... além da receita muito completa e bem explicada , a foto de ROLANTE - CAPITAL NACIONAL DA CUCA from Lilian Alice Marques. Dona Norma, a pessoa que aparece na foto, é famosa cuqueira ( denominação local ), que demonstra a forma tradicional de fazer este bolo/pão.



                                                                       Tradicional Cuca de Rolante


Cuca Seleção (rendimento: duas cucas)
Ingredientes
Massa
1 quilo de farinha de trigo
2 xícaras de açúcar
2 colheres (sopa) rasas de fermento instantâneo
1 colher (sopa) de manteiga
1 colher (sopa) de banha (pode ser substituída por mais uma de manteiga)
1 colher (chá) de sal
2 ovos
raspas de 1 limão, baunilha, noz moscada a gosto
água morna, usada para dar o ponto de massa de consistência média
Recheio
250g de doce de leite
100g de nata
2 colheres (sopa) de café em pó (bem forte)
150g de chocolate meio amargo
100g de castanhas do Pará picadas
Farofa
1 xícara de farinha
1 xícara de açúcar
raspas de limão, canela e baunilha a gosto
5 colheres (sopa) de gordura (manteiga, nata ou banha)
Preparo
Massa
Junte a farinha e o fermento em uma tigela/bacia
Acrescente a manteiga, a banha, o açúcar, o sal, os ovos e os condimentos
Adicione a água morna, aos poucos, até dar o ponto de massa média
Sove bem a massa em uma mesa e faça bolas, deixando dobrar de volume, coberta com pano limpo
Em seguida, coloque um pouco de massa em uma forma untada
Recheie as cucas
Cubra com mais uma parte de massa e deixe a cuca crescer novamente até dobrar de volume
Pincele ovo batido. Cubra com a farofa (veja a receita)
Asse em forno médio preaquecido (a 220 graus), por 50 minutos.
Recheio
Misture o doce de leite com a nata batida.
Acrescente o café já diluído com um pouco de água quente.
Em seguida, adicione o chocolate picado e as castanhas. Reserve.
Farofa
Misture a farinha e o açúcar em uma tigela.
Junte as raspas de limão, a canela e a baunilha.
Acrescente a gordura aos poucos, misturando sempre com os dedos, até formar uma farofa. Polvilhe a farofa sobre a cuca quente.
Dica Gourmet
Se quiser que a cobertura de farofa fique mais crocante, leve ao forno a cuca totalmente pronta para dourar.
Dicas de culinarista
Manteiga, nata e banha podem ser substituídas por margarina. A Cuca Original de Rolante é assada em forno de barro a lenha, mas pode ser usado forno a gás ou elétrico.



                                                              A caminho de Rolante


Meus agradecimentos à Prefeitura Municipal de Rolante,  através da competente  Joyce Reis, Diretora de Cultura, que, de forma rápida e bastante gentil , enviou-me a receita e a foto  que estão neste post.  No Post seguinte, quando descreverei detalhadamente o Município de Rolante, estarão as demais fotos que,a meu pedido, Joyce Reis me enviou. Agradeço muito.

                                                                   
                                          Joyce Reis, diretora de Cultura - Rolante
                                                                   

segunda-feira, janeiro 18, 2021

Pandemia, Vacina e Projetos para 2021


                                                          
                                                    Anoitecer em Porto Alegre/maio/2020

Não saí do Rio Grande do Sul em 2020. Foi um ano indescritível - sem abraços e  beijos, sem contar segredinhos quase no ouvido, sem fazer ou receber visitas, sem conhecer novas cidades... Foi um ano que inverteu pautas sociais  e percepções muito nossas, como, por exemplo,  cumprimentos com o cotovelo ou tímidos acenos à distância. Um ano tão diferente em que pessoas cheirando a álcool nos tranquilizam, e mascarados não mais nos assustam.  


                                                     Obrigada, Porto Alegre, pela acolhida.


Estou em isolamento social desde março, portanto há dez meses. Durante esse tempo,  dor , medo e insegurança paralisaram e continuam a paralisar muita gente - como eu. O crescimento do número de mortos é um pesadelo diário. Toque de telefone e aviso de chegada de mensagens nos sobressaltam. Perdi parentes, amigos, colegas de trabalho e figuras públicas a quem eu admirava. Por precaução, tomei decisões, limpei gavetas, fiz contatos com pessoas queridas , entreguei presentes - afinal eu estou no grupo de risco.


                                                              Minhas plantas em Torres


Estamos, hoje. em 17 de janeiro de 2021, com mais de 209 mil  mortos por covid/19, certamente um dos janeiros mais tristes do Brasil. O quadro político é desanimador : as maiores autoridades do país deram às palavras de baixo calão o status de linguagem formal - ainda que esse seja um mal menor,   é  indicativo de grossura e despreparo.  Ou esse mal menor será atenuado pela sensibilidade, ausência de preconceitos, valorização da vida....?


                                              Saudades de casa, apesar de estar bem em POA     

Os males maiores, por problemas políticos e sanitários principalmente, dominam os noticiários  nacionais e internacionais. Neste dia 17, entretanto,  houve um avanço.  Foi aplicada ,    em São Paulo, a primeira vacina contra a Covid/19, dando início ao Plano Nacional de Vacinação. Senti-me reanimada, com esperança, acreditando em bons resultados da vacina -  embora lamentando, sempre e muito, as perdas de tantas pessoas.


                                                                        Pedro, meu neto.


Sentindo-me melhor, voltei a pensar no futuro. Após decidir que 2021 - primeiro semestre - seria meu tempo de ver e rever detalhadamente  o Sul do Brasil, iniciei  logo  a elaboração de um projeto de pequenas viagens que podem começar pela Serra Gaúcha e contemplar mais de 20 pequenas cidades dessa região. Pretendo ir postando no Correndomundo meus roteiros e as informações sobre lugares estudados visitados . 



Quais cidades vocês me sugerem e que são por enquanto menos exploradas turisticamente? Em que cidade eu poderia permanecer mais tempo e daí fazer alguns bate-e-volta às proximidades, por exemplo, Dois Irmãos/Morro Reuter ? 

                                                                             Help me, please!


domingo, janeiro 10, 2021

Natal, 2020

                                                Natal, em Boa Esperança, Rolante/RS/2020
 

No meio rural, onde me criei, não se falava em Natal. No final da minha adolescência, já no convívio com o urbano, assumi o Natal com as marcas características da religião católica, que incluía a Missa do Galo, à meia noite. Em pouco tempo, no entanto, a religiosidade foi sendo substituída por festas, com pratos típicos, muita influência europeia e trocas de presente - para a alegria também da indústria e do comércio.   


                                                             Natal, 2013 - Bonn , Alemanha

Até 2019, as nossas festas natalinas eram um bonito momento de reunir pessoas queridas, parentes e amigos, recordar histórias da infância, relembrar familiares, trocar presentes e mostrar habilidades  para fazer as bem elaboradas e tradicionais receitas de comidas típicas. Estive longe de Torres em poucos Natais: Bela União, Rosário do Sul, Alegrete, Santa Maria, Estados Unidos, Itália, Portugal e Alemanha. Foi sempre uma bela celebração, mesmo quando os lugares nas mesas foram ficando vazios com perdas sofridas.


                                              Natal/2008 - Torres /RS - Fabiana e Tia Zeli


A Covid/19 nos colocou de cabeça para baixo, mostrando outros ângulos e outras estratégias de ver e viver o mundo, incluindo as festividades de Natal e de Ano Novo. Integrados pela insegurança e pela dor , não desejávamos Feliz Natal às pessoas amadas, estivessem elas próximas ou muito distantes, só desejávamos sobrevivência e um mínimo de tranquilidade . Éramos cinco pessoas na ceia natalina, simples e bonita, deste ano, numa mesa decorada com flores do campo e frutos da região. Deliciosas comidas e sobremesas foram preparadas por Fabiana, minha filha, e Adriana, minha nora.


                                                         Pêssegos :  presentes de Dona Helena


Fomos, esclareço melhor,   minha nora, meu filho e eu , para o sítio em que minha filha e meu neto vivem, como nós, este ano de distanciamento social. Faltava - e fazia muita falta -  somente meu filho e sua família, que vivem o mesmo distanciamento em Atlanta , na Geórgia. Foi a menor festa de natalina de que participamos. Apesar das dificuldades, do medo e das dores de 2019, estávamos bem, alimentados pela esperança de que, em 2021, estivéssemos vacinados e podendo nos abraçar. Que o Universo conspire ao nosso favor.


                                             Araucárias, muito verde e lua: cenário de apoio


É impossível, entretanto, ignorar a tristeza que volta sem ser  convidada. Chegamos, agora, na primeira semana de janeiro e,  de acordo  com o previsto, a duzentos mil mortos por coronavírus , somente no Brasil. Quando, compondo  esse número de mortos, estão parentes, amigos, pessoas conhecidas, enfim gente-como-a-gente. sentíamos  forte a dor  da perda. Ano sofrido - ao menos para quem tem um mínimo de sensibilidade social; ano inseguro, com afirmações crueis e verdades contestáveis. Ano que nos revelou, por exemplo, a competência e a dedicação de cientistas e de profissionais da saúde e - lamentávelmente - revelou   incompetência, a insensibilidade e o despreparo dos principais dirigentes do País.


                                                       Natal de 2014 / Pedro e eu em Lisboa

"Natal... Na província neva.

Nos lares aconchegados,

Um sentimento conserva

Os sentimentos passados.


                                   Tradicional Bolo de Reis - Portugal               
                                             
oração oposto ao mundo,

Como a família é verdade!

Meu pensamento é profundo,

Estou só e sonho saudade."

Fernando Pessoa

domingo, janeiro 03, 2021

Aprendendo sobre AI com meu filho - 5a. Parte


                                                              Paulo Menini Trindade


Em junho de 2020, já no forte da pandemia que atingia os Estados Unidos, Paulo de Tarso Menini Trindade ( o Patati ) escreveu  um longo texto, que eu arbitrariamente dividi em quatro partes,  sobre  Inteligência Artificial. Hoje ele dá continuidade com a quinta parte - esperando, certamente, que eu me interesse pelo assunto e me torne uma mãe e avó atualizada. Juro que tenho tentado, meu filho.

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"Continuando a escrever sobre inteligência artificial, relembramos que , em 2020, aconteceram progressos relevantes nesta área, sendo os mais destacados a aplicação do programa “deep mind” na dobradura de proteína e o algoritmo de linguagem GPT-3.

A dobradura de proteínas é o processo pelo qual aminoácidos se transformam em proteínas. As proteínas são as unidades básicas de que se constroem os organismos vivos, e os aminoácidos são a matéria prima para se chegar a isso. Uma proteína é uma estrutura tridimensional complexa, um aminoácido é bem mais simples. 

Sabe-se que a mesma combinação de aminoácidos e reações sempre chega à mesma proteína, tanto como dois mais dois é sempre 4.Calcular, no entanto, a proteína final a partir dos componentes é mais ou menos como olhar uma lista de supermercado e deduzir o que vai ter no jantar, só que sem saber absolutamente nada sobre como cozinhar. 


                                                                 Valeria, Massimo e Patati


Ano passado eu lidava com um problema assim no trabalho: tenho 1 componente que estou comprando de 5 fábricas diferentes, e levando a duas fábricas que o utilizam. Os preços de cada fabrica eram diferentes, assim como o custo de frete de cada uma das 5 a cada uma das duas, e era necessário respeitar várias restrições de capacidades e quantidades mínimas e máximas que cada fábrica pode fazer.

Esse era claramente um problema para uma inteligência artificial, não uma inteligência humana, a solução era computar todas as soluções possíveis e escolher a de custo mais baixo. Uma pessoa teria que trabalhar um mês em fazer estas contas, uma planilha de Excel chega ao resultado em meio segundo. Calcular uma dobradura de proteínas requer centenas de milhares de computadores, trabalhando vários meses, para se chegar a um cálculo 70% correto. Aqui é onde entra a experiência do cozinheiro.

Se damos uma lista de compras de ingredientes a uma pessoa que sabe cozinhar, ela vai poder intuir o que vai ter para o jantar hoje, ou pelo menos saber que se a lista é “alface, tomate e cebola” a resposta não é “torta de chocolate”. Esta intuição que vem da experiência sempre foi considerada o que separa a mente humana das máquinas. Até agora.


 
                                                                Patati, Massimo e Valeria


A diferença entre a dobradura de proteínas e a janta de hoje é que temos um bom vocabulário para comida, mas o vocabulário dos aminoácidos e proteínas é completamente alienígena para nós, e a complexidade dele milhares de vezes maior do que qualquer língua humana. Volto sempre àquele exemplo que eu gosto muito, do livro “Hitchhiker’s Guide to the Galaxy”: tentar explicar isso para uma pessoa é como tentar explicar para uma formiga que a empresa de dedetização vai vir na terça. Entra, então, o software Deep Mind, da Google.

Em meus textos anteriores, mencionei este algoritmo, que ganhou do campeão mundial Lee Sedol, no jogo de Go. O filme desta história é surpreendentemente emocionante, porque a própria equipe do AlphaGo termina torcendo pelo jogador humano, e a empatia do ser humano transcende a ambição. Este é o link no YouTube: https://youtu.be/WXuK6gekU1Y

Eu comecei os textos anteriores falando de como em ciência e tecnologia muitas vezes a solução de um problema vem de outra área sem nenhuma relação. Foi o que aconteceu aqui. O mesmo programa que adquiriu intuição sobre o jogo de Go, adquiriu intuição sobre a dobradura de proteínas, e o AlphaGo (agora chamado de AlphaFold, referindo-se se dobradura) resolve os cálculos de dobradura em meia hora, e está mais que 90% correto na molécula final. Isso vai evolucionar vários aspectos de pesquisa médica, e os resultados nas nossas vidas vão ser visíveis em alguns anos. 


                                                                                 Massimo


O outro salto, neste ano foi fundamental, o programa GPT-3 da empresa OpenAI. A empresa OpenAI é financiada pelo bilionário Elon Musk, o fundador da Tesla que fabrica carros elétricos, da Space X que fabrica foguetes para a NASA, e de várias outras empresas muito visionárias. Musk hoje é a segunda pessoa mais rica do mundo, com uma fortuna maior que a de Bill Gates. (A maior fortuna do mundo é a de Jeff Bezos, fundador da Amazon).

Ao contrário de outros empreendedores de tecnologia, Elon Musk não é somente cético sobre inteligência artificial, ele é diretamente alarmista. Musk crê que inventar uma inteligência artificial superior à nossa é, em suas próprias palavras, “invocar o diabo”, é trazer para nosso mundo uma entidade que vai destruir a humanidade. A OpenAI é sua tentativa de controlar tal processo, na lógica de que melhor ele que algum laboratório secreto sem ética. Sejam quais sejam suas motivações, sua empresa, em agosto, anunciou seu programa de linguagem humana GPT-3. 


                                                                              Massimo     


Alguns feitos do GPT3:

- escrever um blog que atraiu muitos leitores, que pensavam que era escrito por um estudante universitário;

- “traduzir” um texto médico de linguagem acadêmica a linguagem coloquial, de maneira que uma pessoa leiga possa entender tudo o que diz;

- analisar outro programa de computador e explicar em palavras o que o programa faz;

- escrever um programa de computador, criar um site de internet ou um app para telefone, baseado em instruções dadas em linguagem humana normal e exemplos, sem necessidade de muitos detalhes. “Cria um programa, tipo Instagram, onde os usuários possam se inscrever e compartilhar fotos”. Ele cria;

- escrever uma história de ficção no mesmo estilo de um escritor famoso, escrever uma coluna para o Jornal inglês “The Guardian”, que é interessante de ler, e surpreende o leitor;

- escrever um trabalho escolar completo, de nível universitário, recebendo somente o tema;

Este último é uma razão pela qual tiraram este programa de circulação, nenhum aluno mais precisaria fazer trabalho chato. A outra razão foi que a Microsoft comprou a licença deste programa e vai integrá-lo, de alguma maneira, ao Microsoft Office, e Elon Musk vai ganhar mais dinheiro ainda, com um investimento que era basicamente filantropia.


                                                                    Patati e Massimo
                                                           

Tudo isso me leva a um problema muito mais sério, e que todos podemos influenciar de alguma maneira: o desastre total que são os currículos escolares, especialmente de matemática e ciências.

Eu nunca fiz segredo disto, durante quase toda minha formação tive ódio profundo da escola, e somente desfrutei dela fazendo mestrado nos Estados Unidos, quando pelo menos nos tratavam como criaturas pensantes, e os assuntos eram mais interessantes.

Tendo um filho de idade escolar vejo que a metodologia de ensino melhorou muito, pelo menos na escola dele que é privada e cara, mas a arbitrariedade do currículo continua igual. São centenas de horas dedicadas a decorar nomes de coisas de biologia que nunca mais vamos lembrar, e aprender procedimentos mecânicos de matemática, física ou química, sem entender o que se está fazendo. 

                                                               Patati, Massimo e Valéria

  
Tudo isto desperdiça tempo e investimento que deveria ser aproveitado em coisas muito mais importantes. Em vez de decorar categorias em biologia deveriam estar ensinando sobre como se podem caracterizar as coisas, de organismos a brinquedos a pessoas e a pensar sobre as vantagens e limitações dos métodos de categorização. 

A matemática é pior ainda, eu sempre achei álgebra um exercício fútil e autoindulgente, uma elucubração intelectual baseada em atingir o resultado com um mínimo de computação, numa época em que já existiam os computadores para fazer a parte chata. 

O resultado final é um público que termina o segundo grau sabendo calcular o resultado de uma equação de segundo grau, mas sem ter a menor ideia do que está fazendo, e que não entende o real significado de quando alguém diz “na média”. Visto assim não é surpresa que políticos como Donald Trump ou Jair Bolsonaro consigam convencer tanta gente de mentiras, porque as escolas não ensinam as coisas mais básicas de como pensar, sem falar nas habilidades humanas que são realmente importante, como negociar, controlar suas próprias emoções, administrar conflitos, gerar consenso, liderar. Tudo isso se ensina e se aprende, é só fazer o esforço.


                                                                        Patati, alegretense!


O gênio matemático e criador de software Steven Wolfram escreveu muito sobre o problema dos currículos escolares de matemática, e resume o problema assim: até hoje se ensina matemática como se vivêssemos em um mundo onde os computadores não existem.

Trazendo tudo isto de volta para inteligência artificial. As ciências humanas nas universidades dos Estados Unidos se chamam “liberal arts”. Isto não tem nada que ver com política partidária, vem do latim significando “artes das pessoas livres”, e eram as disciplinas que não se podiam ensinar aos escravos. Os escravos podiam aprender capacidades técnicas, rotinas, procedimentos, como os da escola, mas não podiam aprender a pensar como gente livre, a criticar, a concluir, persuadir, a ter ideias próprias - porque ameaçava a estrutura de poder. 

O medo de Elon Musk é exatamente o mesmo dos romanos. Estamos por entrar em uma época em que cada vez mais o conhecimento técnico vai ser automatizado, e os computadores vão funcionar para nosso cérebro da mesma maneira que os automóveis para nossas pernas, vão nos permitir ir muito mais longe. Com menos esforço. 




Eu não sei se algum dia os computadores vão se revoltar e abrir as portas de Roma para os bárbaros (ou talvez as portas dos nossos sistemas imunológicos para um vírus). Isso soa a antropomorfismo, a projetar qualidades humanas em outras coisas, mas nem eu nem ninguém sabe.

O fato é que se existem razões para se preocupar, vamos estar em uma posição melhor com uma sociedade educada a pensar em vez de somente aplicar rotinas. Se todos formos as máquinas de repetição que as escolas tratam de formar, aí talvez mereçamos e precisemos de uma raça de computadores que saiba pensar de verdade. 

Atlanta, Geórgia, 2020
Paulo  Menini  Trindade