segunda-feira, novembro 30, 2020

Memórias em Tempo de Pandemia III - Guernica : o Painel e a Cidade

 

Guernica : o Painel e a Cidade

Teto Atual da Casa de Las Juntas
" Gernika es el pueblo más feliz del mundo. Sus asuntos los gobierna una junta de campesinos que se reúne bajo un roble, y siempre toman las decisiones más justas."
Jean Jacques Rousseau ( 1712 - 1778 )

Maria e eu junto ao Roble Neto
Emocionou-me, repetidas vezes, a grande tela pintada a óleo, produzida, em 1937, por Pablo Picasso e hoje principal obra do Acervo do Museu Reina Sofia, em Madrid - a única que não se pode fotografar. Guernica é um painel que mede 7,82 m X 3,5 m - grandioso como arte e  contundente como documento histórico. Um doloroso repúdio à Guerra.

Tronco do Roble Filho
Embora Guernica me impressionasse muito como arte e como visão do artista em relação à Guerra Civil Espanhola, eu não a relacionava com um espaço específico, delimitado e real, onde tão horrendo massacre aconteceu. Quando cheguei a Bilbao, Norte da Espanha, no País Basco, meus queridos amigos Pedro e Maria esperavam-me com intensa e movimentada agenda, a qual incluía Guernica, a pequena e histórica cidade, reconstruida após cruel destruição.

Casa das Juntas
Transcreverei , a seguir, partes de um texto do professor Voltaire Schilling, gaúcho, nascido rm Porto Alegre. Ele  refere , nesse texto, à comunidade de Guernica, de forma clara, concisa e precisa, descrevendo-a tal como li, escutei e vi esse lugar tão impressionante. O texto completo está em http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/guernica_eta.htm

     
Jardim da Casa das Juntas em Guernica

"
Era uma segunda-feira, dia de feira-livre na pequena cidade de Biscaia. Das redondezas chegavam às suas estreitas ruas os camponeses do vale de Guernica, no país dos bascos, trazendo seus produtos para o grande encontro semanal. A praça ainda estava bem movimentada quando, antes das cinco da tarde, os sinos começaram os seus badalos. Tratava-se de mais uma incursão aérea. Até aquele dia fatidico - 26 de abril de 1937 - Guernica só havia visto os aviões nazistas da Legião Condor passarem sobre ela em diregão a alvos mais importantes, situados mais além, em Bilbao. Mas aquela 2a. feira seria diferente......





.....A primeira leva de Heinkels-11 despejou sua bombas sobre a cidadezinha precisamente às 16h45min. Durante as 2h e 45 min seguintes os moradores viram o inferno desabar sobre eles. Estonteados e desesperados correram para os arredores do lugarejo onde mortíferas rajadas de matralhadora disparadas pelos caças os mataram aos magotes. No fim da jornada, contaram-se 1.654 mortos e 889 feridos, numa população não superior a 7 mil habitantes. Quase 40% haviam sido mortos ou atingidos.....



Prédio Público - detalhes em ferro


Na realidade a tragédia começou oito meses antes, na noite de 25 de julho de 1936, quando, entre um acorde e outro de uma ópera wagneriana, Hitler decidiu-se a apoiar Franco. Na semana anterior, o general espanhol havia sublevado o exército contra o governo republicano-esquerdista da Frente Popular. O Führer estava em Bayreuth para prestigiar o tradicional festival musical quando recebeu uma carta do caudilho. A solicitação era modesta. Tratava-se de saber se o governo nazista contribuiria com uma dezena de aviões de transporte e algumas armas. Hitler não hesitou. 



Pintura representando a Junta e o  Roble Pai





A escolha da pequena Guernica deveu-se a vários motivos. A cidade era um alvo fácil, sem proteção antiaérea, além de não ter uma população numerosa. Além disso abrigava um velho carvalho (Guernikako arbola) embaixo do qual os monarcas espanhóis ou seus legados, desde os tempos medievais, juravam respeitar as leis e costumes dos bascos, bem como as decisões da batzarraks (o conselho basco). Como o levante de Franco foi também contra a autonomia regional, a destruição de Guernica serviria como uma lição a todos os que imaginavam uma Espanha federalista ou descentralizada.   



Escudo de Guernica gravado em bloco de pedra


Assim, quando a notícia da dizimação provocada pelo bombardeamento "científico" chegou aos jornais provocou um frêmito de horror em todos os cantos do mundo. Quase todos os habitantes de cidades, em qualquer lugar do planeta, sentiram instintivamente que estavam sendo apresentados a um outro tipo de guerra, à guerra total, e que, doravante, por vezes, seria mais seguro estar-se numa trincheira no fronte, do que vivendo numa grande capital." Voltaire Schilling http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/guernica_eta.htm






Casa das Juntas


Percorri a pequena cidade de Guernica com profundo respeito e pesar. Olhando ruas, jardins, casas, igrejas e escolas, pensava na brutalidade de uma guerra, em que seres humanos , indefesos e desavisados, são mortos com tanta crueldade. A tentativa também foi de, exterminando as pessoas, exterminar uma forma de governar. 



Guernica é como uma cidade sagrada para os Bascos



Até hoje , reis e rainhas, ao serem corado, vão a Guernica, onde recebem o título de Senhor(a) de Viscaya e prometem manter as determinações da Junta. Tradição que se manteve, apesar da dor. Curiosamente , o aviso das reuniões da Junta era feito com cinco fogueiras, acesas em cinco altas montanha.



No vitral do teto, tradicionais casas do País Basco


As reuniões  eram realizadas embaixo de um grande roble ( carvalho ). Antes dessa primeira árvore morrer , foi transplantado um filhote dela, que , durante muitos anos, serviu de sombra e abrigo para novas reuniões. Hoje um jovem roble - um carvalho neto - cresce nas proximidades da bela Casa da Junta - casa onde há muito documentos históricos e um pequeno museu. Guernica foi uma das localidades mais impactantes que vi. Ainda não tenho condições de muito falar sobre ela. Recorro a Pablo Picasso e ao prof. Voltaire para encerrar esta postagem tão dolorida.



Principal Igreja de Guernica


".....Não era algo belo de ser visto. Picasso, para retratar o clima sombrio que envolvia o desastre, utilizou-se da cor negra, do cinza e do branco. Como nunca a máxima de Giulio Argan segundo a qual a "arte não é efusão lírica, é problema" tenha sido tão explicitada, como na composição de Picasso. O painel encontra-se dominado no alto pela luz de um olho-lâmpada - símbolo da mortífera tecnologia - seguida de duas figuras de animais. No centro um cavalo apavorado, em disparada, representa as forças irracionais da destruição. A direita dele, impassível, um perfil picassiano de um touro imóvel. Talvez seja símbolo da Espanha em guerra civil, impotente perante a destruição que a envolvia. Logo a baixo do touro, encontramos uma mãe com o filho morto no colo. Ela clama aos céus por uma intervenção. Trata-se da moderna pietá de Picasso. Uma figura masculina, geometricamente esquartejada, domina as partes inferiores. A direita, uma mulher, com seios expostos e grávida, voltada para a luz, implora pela vida, enquanto outra, incinerada, ergue inutilmente os braços para o vazio, enquanto uma casa arde em chamas. Naquele caos a tecnologia aparece esmagando a vida."



Guernica de Pablo Picasso. Museu Reina Sofia. Madrid


sexta-feira, novembro 27, 2020

Memórias em Tempo de Pandemia II - New Orleans

 

quarta-feira, julho 17, 2013

New Orleans : muito além das expectativas


Óleo que bem registra New Orleans

Quando iniciei este blog, há sete anos, escrevi , referindo-me a comparações entre países ou cidades: comparações limitam o olhar. Para se ver é preciso ter olhos limpos, olhos de ver, sem que uma imagem contamine a outra. Quando temos duas imagens sobrepostas, uma deixa de ser nítida - se uma dessas imagens for de lugar muito conhecido ou familiar, esse certamente ganhará em nitidez. De longa data, penso assim e  usualmente  não comparo . O Correndomundo pode provar o que estou afirmando.

A esquina mais fotografada de New Orleans

Nesta viagem, entretanto, precisei, por duas vezes, segurar o ímpeto de comparar New Orleans com uma cidade brasileira, onde já morei e de onde gosto muito. Minha potencial comparação referiria-se aos centros históricos, às cores e à musicalidade das duas cidades que seriam comparadas. Limpei o olho para ver bem está  fantástica cidade.

Ferro trabalhado parecendo renda.
Situada no sudeste da Louisiana,  entre o lago Pontchartrain e uma curva do rio Mississippi, com  cerca de dois metros abaixo do nível do mar, a cidade parece uma ilha com muitas pontes e água por quase todos os lados.  Sua área  é de 516 km. Sua população, que antes do Katrina era de 500 mil habitantes, aproxima-se hoje a 250 mil pessoas.

Árvores grandes e frondosas no Parque das Esculturas

Katrina foi o mais terrível furacão que atingiu a Costa do Golfo, fazendo com que aquele agosto de 2005 se tornasse tristemente inesquecível. Os ventos chegaram a 280 km e destruíram casas e edifícios, derrubaram árvores e postes, provocando quedas do sistema elétrico e causando muitos incêndios. As chuvas inundaram mais de 80% da cidade e deixaram 200 mil casas embaixo d´água. Morreram mais de mil pessoas e metade dos habitantes de New Orleans não retornaram às suas casas. 

Royal Street
Nesta viagem, foi-me possível constatar a decisão de permanecer e de recuperar-se dos habitantes de New Orleans - uma população, composta hoje por 62% negros, 33 % brancos 5% vindos de diferentes países.
A cidade está bonita, bem cuidada, cosmopolita, musical e com muitos turista, que nunca deixaram de visitá-la e que, certamente, com essa atitude, contribuíram para que a cidade se mantivesse em cena.

Centro de New Orleans
É bom lembrar que ,tanto a Louisiana quanto a Flórida foram compradas por Thomas Jefferson , em 1803, pagando o que lhes pediu Napoleão Bonaparte : $ 15 milhões! Mas antes de pertencer à França, esta cidade pertencera à Espanha. De longa data, portanto, diferentes povos contribuíram na sua formação cultural e histórica. Dentre esses povos, podem-se mencionar africanos, franceses, espanhóis, ingleses, irlandeses, eslavos, italianos, gregos e cubanos.

Homenagem ao jazz e a músicos famosos

Não faltam museus e esculturas para lembrar a vocação musical de New Orleans. Berço do Jazz, que veio da música tocada em bailes, desfiles e funerais e da mistura de culturas da região, nele estavam cantos de trabalho, cantos religiosos da África e influências europeias e americanas. Muitos dos primeiros jazzistas começaram a se apresentar na zona de prostituição, a Storyville. A partir daí, desenvolveu-se, cresceu, ganhou mundo e tornou-se a mais importante contribuição americana para a música mundial.



Bonitos e delicados são os trabalhos de ferro que estão por toda a cidade. Muitos parecem rendas, por sua delicadeza e pelas minúcias que podem ser vistas nos detalhes. Os primeiros trabalhos foram feitos por artesãos alemães, irlandeses e afro-americanos. De ferro batido, totalmente feitos à mão, é claro, encantaram as famílias ricas que passaram a encomendá-los para adornar as fachadas de suas casas. Depois, começaram os trabalhos de ferro forjado, que era derretido e colocado em moldes em motivos decorativos diversos. Podemos admirar esses trabalhos principalmente no French Quarter e no Garden District.

Passeio pelo French Quarter

O French Quarter - ou Bairro Francês - é a parte antiga de New Orleans, o seu centro histórico. Encanto dos turistas e viajantes, concentra nele restaurantes, bares, galerias de arte, lojas sofisticadas e antiquários. Por sorte, já no primeiro dia, fomos percorrê-lo no horário que, de fato, é o melhor : de manhã cedinho. Havia pouca gente nas ruas - tanto que foi possível estacionar na frente do Museu do Jazz. É bom lembrar que estacionamento nessa área é bastante difícil encontrar.

Museu do Jazz

Como estava tudo muito tranquilo, podemos observar os detalhes da arquitetura, as casas coloridas, as esculturas, os pátios escondidinhos, os trabalhos em ferro, as plantas, os antigos lampiões ainda acesos. Podemos, ainda,  ler o nome das ruas,escritos em peças de cerâmica, fixadas nas calçadas e ler as placas elucidativas em prédios e locais .  Passeamos - quase com reverência - pela Royal Street, a rua mais bonita do bairro.Quando se intensificou o movimento, apareceram os cantores de rua e ouviu-se  música já saindo dos restaurantes. Precisa-se de tempo para absorver tantas informações e tamanha beleza.

Rio Mississippi
Garden District é a denominação de uma área rio Mississippi acima, em relação ao French Quarter. Foi neste lugar que se estabeleceram os americanos depois da compra de Louisiana e onde os fazendeiros e comerciantes ricos construíram luxuosas e elegantes mansões. Aqui, encantaram-me os jardins, com tantas magnólias, camélias, azaléias, roseiras e jasmins. Tudo com as bênçãos da beleza do rio.

French Market ainda de manhã cedinho
Outrora um lugar mal-falado e mal frequentado; hoje , preferido pelos turistas e pleno de vitalidade, colorido e movimento. Existe por aqui desde 1790 e ,  antes da chegada dos europeus, era um entreposto comercial para os índigenas. No French Market, pode-se comprar de jóias finas a frutos do mar e especiarias; de cerâmicas artísticas a bonequinhas para vodu. Nele, fiz minha primeira compra : vários beads bem interessantes.


Tradicionais Beads

Os tradicionais colares de bolinhas coloridas, com os acréscimo dos mais diversificados temas - carnaval, futebol, frutas, flores, brinquedos - enfeitam a cidade, os habitantes locais e os turistas. São os beads, que dão origem a muitas paqueras. Manda a tradição que uma moça , ao ser presenteada com um beads, em sinal de agradecimento, deve levantar a blusa e mostrar os seios, ao menos um pouco; os rapazes, devem baixar as calças e mostrar o corpo...ao menos um pouco também.

Entrada de grande shopping center em New Orleans

Nem só de comércio para turistas vive a cidade. Há grandes shoppings e muitas galerias, onde qualquer grife pode ser encontrada. No maior shopping, há um Café du Monde, com as mesmas característica do café tradicional que existe no French Quarter há mais de 100 anos. Nele, pode-se experimentar os beignets, bolinhos franceses salpicados com açúcar e tomar um café au lait  - os dois únicos itens oferecidos pelo Café. Pode-se, ainda, experimentar o café de chicória, alternativa para economizar pó de café, criada durante a Guerra Civil. Eu até gostei...mas depois tomei um café - café.

Entrada para o Riverwalk
Área com variadas opções de compra - de que fugi como o diabo da cruz - e magníficas vistas do rio Mississippi ao longo de seu percurso, é excelente alternativa para um final de tarde. Os navios de cruzeiro internacionais e outras embarcações passam por aqui. Muitos atracam ao longo do Market Place. O trânsito fluvial é intenso. Admirei belíssimas esculturas neste lugar e obtive informações nas placas colocadas no caminho que se percorre. Passeio delicioso e interessante.

Escultura no Woldenberg  Riverfront Parque
Difícil selecionar fotos de esculturas em New Orleans. São tantas,tantas ...e muitas de comovente beleza - como esta, um diálogo de gerações. Difícil selecionar sobre o que escrever e o que fotografar,  assim como é difícil não se apaixonar por esta mistura de influências e culturas, pelas lutas duras deste povo - da luta pelos direitos civis à luta pela sobrevivência após o Katrina. Cidade de personalidade forte, que comove e encanta.

Escultura no Jardim das Esculturas do City Park
Uma tarde inteira no City Park, com 607 ha, ainda é pouco. Há muito o que ver. Carvalhos imensos, cheios de barba-de-velho, sombreiam os caminhos por onde se pode passear e , a cada momento, parar e admirar belíssimas esculturas e interessantes monumentos. O New Orleans Museum of Art, criado em 1910,  e o New Orleans Botanical Gardens , de 1930, estão aqui - e são imperdíveis.


Com certeza, eu permaneceria durante um mês nesta cidade e voltaria várias vezes a alguns locais, como o Jardim das Esculturas, no City Park e a Royal Street, no French Quarter. Há o Convento das Ursulinas, uma das construções mais antigas da cidade; o estádio, já recuperado depois do Katrina, quando, apesar dos estragos, abrigou mais de 30 mil pessoas; os cemitérios famosos, os parques e jardins que estão por toda parte. 

Palmeira do City Park
Se eu ficasse mesmo um mês aqui,  faria também mais passeios pelo Mississippi, comeria a comida cajun, ouviria jazz o tempo todo e jogaria moedas no Cassino Harrah´s. Para uma mulher que completa 70 anos em breve, seria perfeito. Vou conversar com Ronald sobre isso. Apaixonei-me por New Orleans.

Iluminação do French Quarter

"Aquilo que a gente lembra
Sem o querer lembrar,
E inerte se desmembra
Como um fumo no ar,
É a música que a alma tem,
É o perfume que vem,
Vago, inútil, trazido
Por uma brisa de agrado,
Do fundo do que é esquecido,
Dos jardins do passado."


Fernando Pessoa

sexta-feira, novembro 20, 2020

Memórias em Tempo de Pandemia - I

 


"...eu ainda creio na bondade humana."



Amanheci deprimida, gripada, triste... sem ânimo e encantamento. Anne Frank me socorre: Apesar de tudo eu ainda creio na bondade humana. Importante isso neste momento. Busco na minha história de vida fatos que, ao comprovarem a afirmação de Anne, podem reanimar-me, comover-me e até me fazerem rir. Muitos, bem distantes no tempo; nítidos, entretanto, na minha memória. 

 
Início dos anos 80, chegava eu em Santa Maria, com filhos pequenos, sem conhecer o trânsito e os colegas da UFSM. Vinha com diferentes e difíceis problemas a resolver. Naquele tempo, conseguir um telefone fixo era quase impossível em pouco tempo - celular, nem existia. Eu necessitava  trabalhar, levar meus filhos ao Centenário e à natação - e ainda levar um deles à fisioterapia, ao médico e ao terapeuta. Precisava muito de telefone. Uma noite, cansada e angustiada, escrevi uma longa carta ao gerente da  Companhia Telefônica, onde eu relatava minha situação. Entreguei-a, na manhã seguinte,  para a secretária dele, dizendo a ela  que não aguardaria uma resposta - queria somente a certeza de que a carta seria lida. Hoje penso que minha tristeza e meu abandono devia ser comovente. Sobrava-me , no entanto, coragem e vontade de acertar. Esperei. Menos de 10 minutos, apareceu o gerente com minha carta na mão, dizendo que meu meu telefone seria instalado imediatamente. Agradeci e acrescentei que meu vizinho de apartamento aguardava instalação há mais de ano - e seria injusto com ele essa prioridade. No outro dia, ao retornar da UFSM, encontrei meu telefone instalado...e o do vizinho também. 




No Mato Grosso do Sul, fui, durante cinco anos, consultora e assessora da SEC/MS e da UFMS em programas de formação de professores para educação indígena. Ao retornar das aldeias, costumava esperar algumas horas, no aeroporto de Campo Grande. Usava esse tempo para escrever aos familiares e amigos distantes. Comprava  cartões e selos ali mesmo. Uma noite,  pus todos os cartões na caixa de correspondência e fiquei com os selos na minha bolsa, dentro de um envelope. Por acreditar na Humanidade, relatei à pessoa do correio,  no lado externo do envelope, o que havia acontecido. Pedi que colasse os selos nos cartões e pusesse-os novamente na caixa coletora. Eram quase 20 cartões....todos chegaram aos destinatários devidamente selados.



Ao entrar num trem, em Paris, pedi a um senhor que me ajudasse a erguer minha mala, que, por eu estar retornando de uma viagem longa, devia estar mesmo com mais de 20 quilos. Ele ,muito tranquilo e educado, respondeu-me que não me ajudaria, porque eu precisava aprender a   levar  bagagem que eu  pudesse carregar sozinha e  precisava também aprender a não molestar pessoas com escolhas que eram unicamente minhas. Senti vergonha. Dei-lhe razão. Ri depois, quando me lembrei de haver lido que muitas vezes é um pontapé na bunda que nos empurra para frente. Valeu a lição. Controlo o peso da mala e penso que não há carrinhos ou carregadores. Aceito ajudas, mas não as peço. Passados alguns anos, aprendi a viajar com bagagem muito pequena. Atualmente viajo somente com bagagem de cabine.



Sinto-me um pouco idiota, como se escrevesse no Meu Querido Diário. Resfriado, gripe e chuva justificam a vontade de escrever reminiscências...Melhor voltar  a ler Fernando Pessoa, de onde transcrevo:

" Há grandes lapsos de memória,
Grandes parábolas perdidas,
E muita lenda e muita história
E muitas vidas, muitas vidas.

Tudo isso, agora que me perco
De mim e vou a transviar,
Quero chamar a mim, e cerco
Meu ser de tudo relembrar.

Porque, se vou ser louco, quero
Ser louco com moral e siso.
Vou tanger lira como Nero.
Mas o incêndio não é preciso."

Fernando Pessoa