segunda-feira, junho 29, 2020

Festas Juninas: Recordações de Senhor do Bonfim/BA


Festa de São João, Senhor do Bonfim - 2002


O mês de junho me traz lembranças agradáveis e comoventes dos 6 anos e 8 meses em que morei na Bahia. Lá aprendi a desejar Feliz São João com mais intensidade e frequência do que desejo Feliz Ano Novo, no mês de dezembro. Havia cenário e clima apropriados para que nos envolvêssemos nas festas juninas. Lamento apenas não ter ido às festas de Amargosa, cidade conhecida por seus festejos genuínos e animados, mas tenho preciosas lembranças de Senhor do Bonfim, considerada a segunda localidade mais festeira do interior baiano ( ou seria a primeira? )


                                              Juliano ( Gugu ) na Praia do Forte - Ba - 2003


É de se perguntar como fui parar na Bahia, logo que me aposentei da UFSM. Tive uma diarista que, para eventos que ela não conseguia explicar a causa, costumava dizer: foi destino ou milagre. Explicação que eu passei a usar por preguiça de falar, escrever, pensar, mesmo em situações - como minha ida para a Bahia - que têm realmente a ver com trabalho realizado e trajetória de vida. 


                                                    Pedacinho de Ondina, perto de onde morei.


O convite recebido, em dezembro de 1999, para coordenar um Seminário sobre Ensino Superior, no ISBA e , posteriormente, para trabalhar na elaboração do projeto de criação da Faculdade Social da Bahia, foi marcante na minha vida. Os poucos dias que eu pensava permanecer em Salvador, foram-se ampliando....e lá morei até início de setembro de 2006. Além do trabalho  que eu fora contratada para fazer, desenvolvi,  como trabalhos voluntários, dois projetos comunitários, que se tornaram relevantes nas minhas experiências e na minha história pessoal e profissional - um deles, o de Senhor do Bonfim, cujas fotos, lamentávelmente, estão na  minha casa, em Torres, neste tempo de distanciamento social. O outro, na Plataforma, comunidade muito pobre da periferia de Salvador. Os dois, vinculados à Igreja Católica.



                                              Feira Livre, aos sábados, em Senhor do Bonfim


Senhor do Bonfim localiza-se no Semiárido, a 360 km de Salvador e a 110 km de Juazeiro - cidade que divide Bahia e Pernambuco. Bonfim tem uma população ao redor de 75 mil habitantes, e a segunda maior feira do Nordeste - a maior é a de Caruaru. Nos sábados, essa feira é uma festa. Pode-se, entre outras coisas, comprar frutas, verduras, legumes, flores e árvores; cerâmicas, roupas, sapatos, redes; galinhas mortas e galinhas vivas, bodes vivos e bodes em pedaços;  artesanato em couro e em madeira. Pode-se ouvir ali o genuíno forró e as músicas de Luís Gonzaga. Uma festa!


                                                                        Feira de Bonfim


A história de Senhor do Bonfim está  relacionada à busca de ouro e pedras preciosas e à introdução da criação de gado no sertão baiano. Ainda no século XVI, portugueses pertencentes à Casa da Torre, organizaram expedições com destino ao rio São Francisco e às minas de ouro de Jacobina, iniciando a ocupação do interior da província e a formação de canais de comunicação com o litoral. A zona de passagem dessas expedições, com suas rancharias, possibilitou a fixação de vaqueiros, bandeirantes e desbravadores. Foi em  1750, que se estabeleceu  o núcleo que deu origem à cidade.


                                            Paisagem nas proximidades de Senhor do Bonfim


Considerada Capital do Forró, o São João de Bonfim dura em torno de cinco dias. Contam que um prefeito perdeu sua reeleição porque diminuiu a festa para três dias. Na rodoviária, onde chegam centenas de ônibus de todo o estado, percebe-se o início das festividades juninas. As pessoas são recebidas com música - gaita, pandeiro, triângulo e voz. A primeira vez em que lá cheguei, ri sozinha, entre a surpresa e o encantamento, com a animação local - o povo amanhece - e passa o dia - dançando e cantando.


Guerra de Espadas ( foto de divulgação do evento)


Senhor do Bonfim preserva características tradicionais, como trios de sanfoneiros, quadrilhas, bandas de pífanos e alvoradas juninas, quando  multidões dançam pelas ruas durante as madrugadas. Mais tradicional, entretanto , é a guerra de espadas - bambus cheios de pólvora . A guerra é realizada em área determinadas, as casas recebem proteção especial, as luzes são apagadas e as pessoas que brincam com as espadas precisam usar capacetes. Embora me dê medo, é um belo espetáculo. Por indescritível, indico um vídeo onde esse espetáculo pode ser visto: http://www.youtube.com/watch?v=L41vOxvx-UQ



                                                Material de divulgação do São João em Bonfim

Conheci essa parte do sertão em razão de pedido feito por Ramón Serrano, padre espanhol mais brasileiro que muitos nascidos aqui, para que eu assessorasse a Diocese de Bonfim no credenciamento, junto ao Ministério de Educação ( MEC ) de um curso de bacharelado em Teologia. O Instituto Superior de Teologia e Pastoral de Bonfim – ISTEPAB,  locus do curso de Teologia, fora instituído em 2001. No dia 30 de março de 2005, por meio da Portaria Nº 994 de 30 de março de 2005, do Ministério da Educação, foi credenciado o Instituto Superior de Teologia e Pastoral de Bonfim e, no dia 31 de março de 2005, por meio da Portaria de Nº 1.022, foi aurorizado o funcionamento do Bacharelado em Teologia.

                                   Pe. Ramón, um Santo Moderno, um lutador por dias melhores.

 
Esse trabalho fez com que eu fosse a Bonfim uma vez por mês, durante quatro anos. Tornei-me de casa lá.  Como eu ficava hospedada no Seminário, fiz vínculos com pessoas da igreja e da cidade. Da construção à aprovação dos Projetos, tanto do ITEPAB quanto do bacharelado vivi um tempo de intenso aprendizado, humano e intelectual, com pessoas inesquecíveis, coordenadas pelo Pe. Ramón Cazalas Serrano, com a contribuição de Pe. Luís Tonetto, Peu ( Pedro Paulo Souza Rios ), Norma Leite, José Salgado e ...esqueci o nome de alguns cuja fisionomia bem recordo. Deixei amigos e quatro afilhados no Sertão; carrego gratidão e saudades. Segundo uma amiga, sou como uma plantinha - conhecida como alegria do jardim - crio raízes facilmente, basta me largar na terra...


                                                                 Letícia, minha afilhada.


Voltei a Senhor do Bonfim, em 2012. Queria reencontrar amigos e afilhados. Encontrei-os adultos bem formados. Pedro Paulo, o Peu, publicou um belo livro de poesias ( atualmente é professor universitário com Doutorado em Educação) ; Jânio mora em São Paulo; Antônio é padre em Campinas. Jantei na casa de minha amiga Zoraide, que reuniu seus familiares, meus afilhados e alguns amigos meus. Conversamos muito. Relembramos histórias. Rimos ao recordar a Romaria da Terra, em 2004, com seis mil pessoas que percorreram, sob sol escaldante e terra seca e árida, mais de 5km. Eu, sem experiência de peregrinações no sertão, estava sem chapéu e sem bloqueador solar, num vermelhão que tornava pálido o mais robusto camarão, passei mal e fui socorrida por uma senhora na entrada da cidade onde findava a Romária. Tinha febre, dores no corpo e vomitava muito. Desidratação. Fui salva por batida de polpa e  água do coco. Procurei fazer com que o mico fosse um mico discreto. Impossível. Dormi, mas, ao acordar, percebi que a dona da casa fazia relatos do meu estado de saúde para amigos meus, participantes da Romária e curiosos. Fui levada de carro para Bonfim.



                                            Peu, meu querido afilhado. Sou muito orgulhosa dele.


Uma vez eu escrevi : Não é fácil morar no sertão. Como escreveu Euclides da Cunha, o sertanejo é, antes de tudo,um forte. Quem nunca palmilhou a terra seca e árida dificilmente o entenderá. Paradoxalmente, é , no entanto, o povo mais doce e generoso que eu conheço. Dizem que o sol do sertão desperta a doçura das frutas e a coragem de viver. Acredito que desperta também a doçura das gentes. Saudades de lá, mais ainda, neste tempo de Pandemia. Cuidem-se!


                                                            Lidia e eu na Feira de Bonfim

"Tenho fome da extensão do tempo, e quero ser eu sem condições." Fernando Pessoa

sexta-feira, junho 19, 2020

Que faço durante a Pandemia? Muitas coisas!


                                                                                 2006


Acredito que, neste tempo de distanciamento social, faço o mesmo que a maioria de amigas e amigos fazem. Organizo fotos, cartas, documentos. Leio. Vejo filmes e séries. Faço tricô - cachecois e toucas de diferentes cores, para crianças e adultos, conhecidos e desconhecidos. Experimento receitas de comidinhas, principalmente as  que são feitas por Maria do Horto Brites e  Potiguara Brites, queridos amigos que me acolhem há três meses. 
 


2007


Faxino o notebook e descubro mensagens antigas e que não foram respondidas. Faço listas de muitas coisas ( segundo minha amiga Gisela Arin, falante de alemão, greco e inglês,  muitas coisas é preciosa expressão da Língua Portuguesa, já que pode ser resposta coerente a variadas perguntas). Penso sem pressa e sem interrupções. Reviso conceitos. Relembro fatos. Escrevo. Planejo. Faço muitas coisas!



Gisela Arin e eu - 2008


Ao organizar as fotos, há contatações óbvias : envelheci...fui uma criança bonita...sempre tive muitos amigos e mantive-os...nunca usei maquiagem...meu biquini, que escandalizava nos anos sessenta, mais parece hoje um short bem comportado...no meu primeiro casamento, usei um escandaloso vestido de noiva curtinho... tenho mais fotos falando em eventos do que em festas...meus cabelos lisinhos tornavam-se crespos com permanentes - um horror....usei cabelos vermelhos...vivi brigando com a balança - tenho fotos muito magra e outras, muito gorda....meus dois netos são lindos...meus três filhos também... 


2009


Minhas fotografias mostram cenários os mais diversos como, por exemplo, Roraima, Rondônia, Mato Grosso do Sul, Norte do Paraná e Brasília,  onde trabalhei sobre educação escolar indígena; Uruguai, Argentina e Espanha, quando pesquisei sobre educação em áreas de fronteira; trabalhei na maioria dos estados brasileiros, ao coordenar o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Estudantis e Comunitários. Tenho, ainda,  muitas fotos de viagem - estive em 90 países e em centenas de cidades. Faltam-me, contudo, fotos deste momento único em que estou isolada e com muito medo da Pandemia. 



2011

Tenho bem guardadas uma coleção de fotos de que muito me orgulho. A reconstrução de uma parte  e construção de outra parte da Bela União, casa de meus pais e lugar onde nasci. Durante 21 anos, Almir Menine, meu irmão caçula,  e eu, investimos trabalho e dinheiro nosso naquele local. Plantei ali mais de 400 árvores, trazidos de diferentes lugares por onde andei - somente coco, caju, manga e acerola não prosperaram. Paulo de Tarso ( Patati ), meu segundo filho, escreveu uma vez que meu mérito havia sido plantar árvores sem se perguntar quem comeria as frutas


Mile testando locais para internet


Guardei poucas cartas pessoais - algumas bem bonitas e outras, curiosas. A  mais original foi de um ex-namorado que me acusa de haver terminado a relação com ele "da maneira mais covarde que alguém pode fazer, ou seja pelo silêncio" Ele nunca vai saber que não foi covardia, foi esquecimento mesmo, pois eu esqueci de  avisá-lo que havia voltado para o Brasil, e ele só ficou sabendo disso por acaso e um mês depois da minha volta! 


2008 - Índia


Continuo organizando meus achados, selecionando alguns - poucos - para guardar e jogando fora muitas coisas. Hora de registrar o meu reconhecimento e gratidão à UFSM que mantém sob sua guarda a história da minha vida, no Fundo Documental que leva meu nome. Já fiz testamento e já deixei escritos meus últimos desejos. Tenho, no entanto, a esperança de que o Universo me permita visitar ao menos os países onde eu deveria estar neste surpreendente 2020. Gracias a la Vida...


2004  Itália


"Eu amo tudo o que foi,
Tudo o que já não é,
A dor que já me não dói,
A antiga e errônea fé
O ontem que dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi e voou
E hoje já é outro dia".(Fernando Pessoa, 1931).



2003  Alemanha


sexta-feira, junho 12, 2020

Receita de Pão



                                                             Pão ( caseiro feito por mim )


No liquidificador,  pôr 1 copo de leite morno, 3 colheres de manteiga,  3 ovos, 1 xícara de açúcar,   1 colherinha de sal, casquinhas raladas de limão e 3 colheres de fermento de pão . Misturar bem.
Num recipiente , colocar 1 kg de farinha, abrir um espaço no meio dessa farinha e, sobre ele , derramar a mistura do liquidificador.

Fazer de conta, então,  que se está numa academia, realizando fantásticos exercícios de braço e tórax! E misturar, amassar, sovar muito. Depois, deixar a massa descansar e crescer até quase o dobro da quantidade inicial. Acrescentar passas de uva e frutas cristalizadas e voltar aos exercícios de braço e tórax! Movimentar bem a massa. Quando ficar lisinha, modelar os pães e deixar crescer novamente ( no calor, em meia hora estará pronto - no inverno gaúcho, vai precisar de bem mais tempo. ). Na minha forma, eu faço 4 pães com essa quantidade de massa.  Após, Assar, contar vantagens e receber elogios.

PS. Se você estiver irritada com algo ou alguém, use essa irritação para dar força aos movimentos de trabalhar a massa. O pão ficará ainda melhor - e você também. A história de tratar a massa com amor, não me parece convincente.


sexta-feira, junho 05, 2020

Aprendendo sobre AI com meu filho - 4a. e última parte

Paulo de Tarso Menini Trindade - Atlanta - 2020
"Indo mais longe, e quase no terreno da ficção cientifica, mas na verdade ainda ficando na ciência: se nós podemos inventar uma máquina mais inteligente que nós, esta máquina pode inventar uma máquina mais inteligente que ela, e assim em diante? Isto é o que se refere como Singularidade Tecnológica. Singularidade é um termo emprestado da física, como a singularidade do Big Bang, a grande explosão que deu origem ao universo. Não é possible ver o que existia antes do Big Bang, e os próprios conceitos de “existir” e da temporalidade do “antes do Big Bang” não se aplicam. A singularidade tecnologia seria o oposto, é impossível ver o que viria depois.
Tudo isto pode ser um excesso de otimismo ou até meio fantasioso. Uma distinção que surgiu depois de Alan Turing foi entre “inteligência artificial” que claramente existe nas redes neurais treinadas, e “inteligência artificial genérica”, ainda que “não especifica” talvez seja uma tradução melhor. 
Se a tarefa de uma rede neural específica é criar uma foto depois de ser treinada para isto, a tarefa de uma rede não especifica é sem nunca ninguém ter ensinado como, entrar em uma cozinha e fazer café. Isto requer curiosidade para abrir os armários, imaginação para criar uma teoria de como se usa uma máquina de café, entender o que é um café sem que ninguém especifique a proporção de café e água ou se leva açúcar e leite ou não, a certar tudo isto com muito poucas tentativas em vez de milhões. As redes neurais mais avançadas estão longe disso como um grão de areia de um planeta inteiro.

Patati e Massimo

Uma das razões chave de tudo isto é que além do circuito eletrônico ser muito mais tosco que as mensagens químicas do cérebro, a arquitetura do cérebro é muito mais sofisticada e eficiente que uma rede neural. Enquanto uma rede neural funciona “de cima para baixo” com os seus menus, no cérebro a informação sobe desce, vai para frente, e para trás, para os lados, e salta de região a região.

Uma descoberta surpreendente deste entendimento, e bem documentada científicamente é que no cérebro o cachorro sacode o rabo, mas o rabo também sacode o cachorro. Quando nós nos sentimos contentes ou tristes, nossos músculos faciais se contraem em expressōes de sorriso ou tristeza, que são iguais em todas as culturas. A descoberta foi que isto também funciona no outro sentido, forçar nossos músculos faciais a uma expressão de sorriso ou de tristeza nos faz sentir contentes ou tristes, com uma eficácia clínica comparável ao efeito clínico de antidepressivos.


Patati e Massimo

Mesmo assim, é um erro desestimar o progresso tecnológico. Nosso cérebro evolui durante milhões de anos, em um progresso linear, aumentando sua capacidade na mesma quantidade a cada dezena de milênios. O nosso progresso tecnológico está sendo exponencial, os saltos são cada vez maiores, e os progressos que parecem que vão acontecer em um futuro muito distante de repente estão aqui. Os dois enredos mais “manjados” de ficção-científica são a terra sendo invadida por alienígenas e a inteligência artificial que fica muito poderosa e decide matar todo mundo. Estas histórias se repetem porque falam de medos básicos do ser humano, e que existem por boas razões. Ser invadido e destruído por uma força militar superior foi um medo muito realista por grande parte da história humana, a história mais escalofriante de invasão alienígena foi a dos exércitos mongóis liderados por Gengis Khan. Eles tiveram um salto exponencial na sua tecnologia militar que os deixou tão superiores ao resto do mundo que eles literalmente conquistaram e destruíram tudo o que havia desde a China até o leste europeu, incluindo as sociedades mais avançadas daquela época, que eram as do oriente médio. A hegemonia da cultura europeia no mundo de hoje só existe porque quando a invasão dos mongóis já estava chegando perto da França e os mongóis haviam trucidado o último grande exercito europeu, Kublai Khan (neto de Gengis) morreu, e os mongóis fizeram uma pausa na invasão para se reunirem na Mongólia e escolher outro líder, e terminaram se matando entre eles. A Europa naquela época tinha regredido terrivelmente desde a caída do império romano, mas comparado com as ruínas que os mongóis deixaram no resto do mundo, eles tinham a vantagem tecnológica.

O enredo da inteligência artificial que fica muito forte e decide matar todo mundo é uma combinação de dois outros medos. Um é o medo do grande monstro poderoso. É comum que esqueletos da idade da pedra tenham marcas que correspondem exatamente às presas dos agora extintos tigres dente de sabre. Para os nossos ancestrais o monstro era muito real e muito poderoso. O outro medo nesta história é o medo das coisas novas, que sempre foi parte da cultura humana.


Em Santa Maria, Patati, Gugu e Ryan

A matemática do medo ás coisas novas funciona bem para uma sociedade. Se 97% das pessoas são avessas às coisas novas, e 3% tem mente aberta, os 97% mantém o Status Quo, e os 3% se arriscam a inventar coisas novas ou viajar a lugares novos. Se dá certo, as novas tecnologias ou horizontes se incorporam ao Status Quo e toda a sociedade sai ganhando. Se dá errado, 3% da população é uma perda perfeitamente administrável, como demonstrado pela fogueira para Galileu ou a cura gay para Turing. O que há de novo na sociedade de hoje é que o progresso desencadeado por Galileu e acelerado por Turing levou a um Status Quo tāo vasto que somente aprender o básico do conhecimento da sociedade hoje em dia requer um investimento em educação entre 20 e 25 anos, Enquanto nossos antepassados aos 7 ou 8 anos já tinham toda a base de conhecimento necessária para contribuir com a sociedade.


Obrigada, meu filho pelos ensinamentos todos.

O medo ás coisas novas é muito grande, e todas as inovações tecnológicas, desde o fogo e a roda, geraram resistência e medo. Este medo sempre foi exagerado, mesmo a energia nuclear que gerou o arsenal nuclear que a gente esquece às vezes que segue existindo, nos deu a fonte de energia mais segura, limpa e de menor impacto ambiental que existe. Sim, morreram centenas de pessoas nos acidentes nucleares de Chernobyl e Fukushima, mas se comparamos o número de pessoas que morrem na exploração de petroleo todos os anos, ou mais corretamente, o numero de mortes por milhões de killovats de energia gerados, a energia nuclear é mais de cinco mil vezes mais segura que o petróleo - e isso sem contar o impacto ambiental.

Eu sou otimista em relação à tecnologia. Ela sempre nos levou para diante, por mais assustadora que pareça ser. Talvez não cheguemos a uma inteligência artificial capaz de fazer café sozinha, mas vendo com esta capacidade de criar fotos de pessoas que não existem, não é difícil imaginar uma rede com a missão de “escreve uma sinfonia do Mozart”, ou “escreve um livro do Machado de Assis”.

Atlanta, maio de 2020.

quarta-feira, junho 03, 2020

Aprendendo sobre AI com meu filho - 3a.Parte



Paulo de Tarso Menini Trindade - Atlanta - 2020
Continuação

"Os aparelhos de ressonância magnética de alta definição estão aprimorando muito nosso entendimento sobre o cérebro. Uma coisa que está ficando clara é que nosso “inconsciente” existe sim, mas é uma coisa muito mais prosaica de que imaginavam os freudianos de outras épocas. Meu exemplo disto é de estar jogando um videogame, ver uma formação de pedras, e imediatamente pensar “estas são pedras basálticas”. Eu não tenho a menor ideia de onde eu aprendi isto, não lembro quando ou de quem, provavelmente décadas atrás. Mais do que isso, eu não sabia que eu sabia reconhecer pedras basálticas, e não sei o que elas são, mas a rede neural do Google Imagens concorda com a minha identificação dessas pedras. 

Em algum momento uma rede neural do meu cérebro aprendeu a reconhecer pedras basálticas, e este programa esteve rodando todo este tempo sem se dar a conhecer, ou seja no “inconsciente”, até que ele registrou um resultado positivo e exigiu a atenção do resto do cérebro. Outro aprendizado importante sobre o cérebro é que não se trata de uma estrutura monolítica e coesa, mas sim vários “orgãos” especificos, interconectados, mas não harmoniosos. O “conflito” interno que nós sentimos entre a vontade de comer um doce e saber que não devemos comer doce é um conflito muito real, entre partes do nosso cérebro que são fisiologicamente definidas. Aquela coisa do anjinho e do diabinho em cada ombro é verdade, só que não estão no ombro, estão dentro do nosso cérebro, e não são só dois, são centenas, talvez milhares. Eles brigam por supremacia todo o tempo, e ganham ou perdem influencia com cada vitoria e derrota. A melhor definição é a da “sociedade da mente”, nossas mentes são como sociedades de individuos, cada um com suas prioridades e ambições. A chave de tudo isso é que o conflito não é um estado anormal ou desarmônico que precisa ser corrigido - é a essencia da nossa mente. Agora levemos isso para os próximos passos da inteligência artificial.


Patati e Massimo,  filho dele.

Um americano de Indiana, chamado Gary Tuft, de quarenta e um anos, passou por um período muito difícil. No mesmo mês, ele foi demitido do trabalho e ficou sem perspectivas de conseguir algo mais, sua mãe faleceu e sua esposa anunciou que estava se divorciando dele. Gary ia à igreja regularmente, mas não era nenhum fanático até passar por esse período tão terrivel. A partir daí, ele passou a rezar muito, frequentar a igreja assiduamente e ler e estudar a bíblia. Com nada mais que o prendesse em Indiana, Gary comprou uma passagem a Jerusalém, buscando inspiração e direção na Terra Santa. Chegando na cidade, Gary se hospedou em um hostal, pegou um folheto turistico e começou a recorrer os lugares sagrados.  A visita a Jerusalém foi tudo o que Gary sonhava. Ele se sentia fascinado pela cidade, suas imagens, seus sons, seus cheiros, suas cores. Sentindo-se mais energizado que jamais em sua vida, Gary passou a caminhar por horas a fio, sem descanso nem vontade de descansar, sem fome, sem sono, somente com o desejo de seguir esta trilha que claramente era o seu destino. Ele foi-se dando conta aos poucos, uma ideia periférica na sua consciência que foi crescendo e tomando conta dele com uma força irresistível. Gary se deu conta que ele era o messias! Ele era o profeta que tinha sido enviado para salvar a humanidade, ele era o único e legítimo filho de deus, ele na verdade era deus encarnado, Gary era deus!


Patati e Valéria

Nos dias que seguiram, Gary acampou no lobby do hostal e passou a gritar e xingar todos os hóspedes e pessoas que passavam, às vezes ameaçando com o fogo do inferno, outras horas oferecendo a salvação que somente ele podia trazer. O dono do hostal não achava que Gary era nenhuma ameaça, para os outros hóspedes ou para si mesmo, mas  ele estava afugentando os clientes e não tinha tomado banho desde que chegara. O dono do hostal discou de memória o número do maior hospital psiquiátrico em Israel, e pediu pelo diretor clínico pelo primeiro nome. Quando este atendeu, ele disse: “Isaac, tenho outro aqui pra ti!” O doutor Isaac Partzold tinha informalmente nomeado a doença de Síndrome de Jerusalém. Pelo menos duas vezes por mês seu hospital recebia um messias ou um deus novo, muitos a mais nas épocas de pico de turismo. Eles eram invariavelmente cristãos - aparententemente a síndrome poupa a judeus e muçulmanos - vinham de vários países e nacionalidades, e quase todos tinham antecedentes de episódios psiquiátricos que requeriam internação. 

Patati e eu

Estar na Terra Santa os descompensava, e o calor e a desidratação pioravam as coisas. O protocolo de tratamento era o mesmo que para episódios de mania: medicamentos antipsicóticos, tranquilizantes quando necessário e terapia de apoio. Geralmente em duas semanas eles podiam viajar de volta para suas casas. A cada tanto o doutor Partzhold tentava tratamentos novos, tentando sempre minimizar a intervenção por medicamentos e usar a terapia como a principal ferramenta. Já que ele estava no epicentro da doença. ele se sentia na obrigação de buscar uma cura. Uma coisa que ele tentou foi colocar dois messias juntos na mesma sala, supervisionados por ele e vários enfermeiros bem grandinhos. A ideia era que talvez cada um vendo o quanto o outro estava convencido da sua ilusão, pensasse um pouco mais nas suas circunstancias e visse a luz, ou melhor, deixasse de ver a luz. Não funcionou, os messias começaram a se xingar um ao outro, cada um se proclamando o messias de verdade, dizendo que o outro era uma fraude, e os dois ameaçando-se mutuamente com o fogo do inferno.

Em Atlanta

Seguindo a tradição de soluções acidentais em tecnologia, um pesquisador americano leu essa mesma história e pensou no seguinte: e se em vez de dois messias na mesma sala eu colocar duas redes neurais? A partir daí ele inventou um jogo. Uma rede neural tinha a tarefa de inventar uma foto de uma pessoa. Essa foto era apresentada à segunda rede neural, junto com quatro fotos de pessoas reais, e a tarefa da segunda rede era identificar qual das cinco fotos era a “inventada”. Quando a segunda rede identificava corretamente a foto inventada ela recebia o feedback positivo e ajustava as “notas” do seu caminho entre os menus, e a rede que gerou a foto inventada recebia o feedback negativo de “nao funcionou assim”, e também ajustava as suas notas. Depois de várias tentativas e ajustes, ele chegou em um modelo que funcionou - as duas redes neurais aprendem juntas, e as fotos de pessoas reais direciona o aprendizado. Finalmente a rede que inventou a foto fica tão boa que a outra rede não consegue mais diferenciar a foto inventada de fotos reais. Nem a rede neural nem nós, e o resultado do treinamento é o que este site thispersondoesnotexist.com está demonstrando.




Outra contribuição de Alan Turing foi o chamado Turing Test, que é um teste para responder à pergunta “este computador é inteligente?”, ou “isto é realmente uma inteligencia artificial?”. Na sua formulação mais simples, o teste é uma pessoa falando com una “entidade”, que pode ser uma pessoa ou um computador, através de um teclado e uma tela. Se depois de determinado tempo, a pessoa não souber dizer com certeza se o que está do outro lado é uma pessoa ou um computador, a “entidade” é inteligente. A medida da inteligência é a capacidade de imitar ser um computador e uma pessoa. Uma pessoa com um pouco de conhecimento consegue imitar ser um computador, mas um computador ainda não consegue fingir ser uma pessoa. Oficialmente nenhum computador ainda passou neste teste, mas essas fotos inventadas são pelo menos a metade do caminho.

A expectativa tanto dos pesquisadores como dos governos e empresas que os patrocinam é que se vai desenvolver uma inteligência artificial. Talvez o modelo a seguir seja este, mas em vez de duas redes neurais em conflito com fotos sejam mil redes diferentes, em conflito sobre dezenas de coisas simultaneamente. Ou milhões de coisas simultaneamente, porque a vantagem do circuito eletrônico sobre o nosso cérebro químico é que sempre é possível fazer uma coisa maior. Um fato importante é que ,uma vez que o aprendizado começa, ele rapidamente ultrapassa a capacidade humana e, de fato, eu não conheço ninguém capaz de “inventar” fotos assim.


Continua...

Qual é o Patati?


segunda-feira, junho 01, 2020

Aprendendo sobre AI com meu filho - 2a.Parte



Patati na Bela União

Continuação

"... Alan Turing foi uma das duas pessoas de mais impacto na história do desenvolvimento tecnológico da humanidade - a outra pessoa foi Galileo Galilei.

Galileo foi quem fez com que a ciência passasse a fazer experimentos reais para provar ou desprovar suas ideias, em vez de somente “viajar” com as ideias como faziam os filósofos gregos e companhia. Antes se dizia, “um objeto mais pesado cai mais rápido que outro mais leve”, e os outros concordavam, discordavam, discutiam. Galileo foi quem subiu na torre de Pisa e soltou dois objetos de formato igual, um leve e um pesado, e constatou que eles caiam na mesma velocidade, por mais que parecesse que não deveria ser assim.

A partir de Galileo, a coisa começou a fazer progresso. Ele é a chave do porquê hoje se anda de avião, se desenvolvem remédios eficazes, e se vive em casas que não desabam com muita frequência. Por essas ideias, Galileo foi condenado à fogueira pela inquisição, e se salvou somente porque teve o bom senso de negar tudo o que ele havia descoberto, mesmo sabendo que era verdade, que a terra não é o centro do universo, e o sol e as estrelas não giram ao redor da terra. Hoje é fácil dizer isso e saber que é verdade, naquela época se pegava fogueira pra aprender a não dizer bobagem.

 Com Alan Turing a coisa foi muito pior. Depois de inventar o “computador” (eu adoro escrever entre aspas como ele fazia, afinal era um conceito abstrato inventado por ele), Turing foi a chave para decifrar o código secreto das máquinas Enigma de códigos secretos da Alemanha nazista, um esforço que mudou a corrente da guerra e é creditado como  o que salvou mais de 10 milhões de vidas. Muito provavelmente alguns de seus antepassados não teriam sobrevivido se não fosse por Alan Turing, e você não estaria aqui hoje. O filme “O Jogo da Imitação” conta essa história, e é baseado nos arquivos secretos do serviço de inteligência britânico que somente saíram a público em 1975, décadas depois da morte de Turing.

 A parte muito pior é que depois de tudo que Alan Turing fez na segunda guerra e de várias outras contribuições científicas e tecnológicas muito importantes (incluindo o “computador”), Alan Turing foi julgado por uma corte inglesa por ser homossexual, e condenado a tomar injeções de hormônios para “curá-lo” de sua homossexualidade. Pouco depois, aos 41 anos, ele se suicidou.  Hoje Alan Turing vive através de seu trabalho. Esta frase me faz lembrar outra frase do então comediante Woody Allen: “Eu não quero atingir a imortalidade através de meu trabalho, eu quero atingir a imortalidade não morrendo!”.  Tarde demais para Alan Turing, e como diz um fatalista provérbio russo, “a vida é uma coisa perigosíssima, ninguém conseguiu sobreviver ainda”.

Baseados em outro trabalho de Alan Turing e com isso dando imortalidade ao seu trabalho, nos anos 50, dois cientistas americanos - um deles, um biólogo de 65 anos; outro, um matemático de 21-inventaram as redes neurais artificiais, em uma tentativa de criar modelo que replicasse o funcionamento de um cérebro. 

Voltemos às fotos iniciais: uma foto digital é na verdade uma tabela de cores, cada cor representada por um número. Quando você faz zoom em uma foto e chega a um quadrado de uma só cor, significa que você chegou na unidade fundamental da tabela, que é um número, que representa só uma cor especifica.  A tela de seu computador também é uma tabela, cada quadrado da tela é um transmissor que emite um sinal de rádio em uma frequência especifica, (sim, sinal de rádio, como de AM, FM etc.). Dentro do seu olho há células que são antenas calibradas para frequências de rádio específicas, que mandam um sinal para o seu cérebro quando detectam a sua cor assignada. O olho humano é uma tabela dessas células antena de rádio, e elas detectam somente três frequências, correspondentes às cores vermelho, verde e azul. Outras células na mesma tabela detectam presença ou ausência de luz, ou seja, uma imagem em preto e branco. Isso tudo é muito similar ao sensor que capta imagens em uma câmera digital, e não por acaso, porque o sensor foi desenhado para imitar o olho humano.

Cada grupo de células no olho se conecta ao cérebro por um fio (um nervo), e o cérebro interpreta esse sinal como uma cor. A imagem que sai de cada olho é de baixa definição e está de cabeça para baixo. O grosso do trabalho é o processamento feito pelas redes neurais do cérebro, e se estima que 60% do processamento que o cérebro faz é interpretar esses estímulos nervosos e criar uma imagem coerente.

O cérebro humano (e de qualquer outro bicho) é muito sofisticado, porque os sinais que se transmite são químicos, o que permite que se transmitam não somente “tem luz vermelha”, ou “não tem luz vermelha” mas também que intensidade de luz vermelha, e não somente em números inteiros como 1, 2, 3 etc, mas dados de alta resolução com números como “intensidade de vermelho 1,245675445”. Os computadores não são químicos, são elétricos, que é uma coisa muito mais  tosca. A única coisa que se consegue “escrever” com sinal elétrico são numeros inteiros. É pior na verdade, porque somente se consegue escrever DOIS números! O numero zero representado por “neste fio não tem corrente elétrica”, e o numero 1, representado por “PQP este fio dá choque!”.

Mesmo com tal limitação, colocando vários zeros e uns juntos se pode representar qualquer numero. Um fio eletrico permite representar dois numeros, dois fios quatro numeros, tres fios oito numeros, quatro 16 numeros etc. É por isto que tantos numeros em computaçao sao potencias do numero 2, assim se usam todos os fios sem desperdiçar nada. No caso de uma foto digital cada quadrado é uma cor  representada por um numero entre 0 e 16 milhões e tanto, porque são 24 fios um ao lado do outro, então 2x2x2... 24 vezes, ou seja, 2 na vigesima quarta potência. E se voces achavam que matemática do primeiro grau nao servia para nada, provavelmente vão continuar pensando a mesma coisa!

Em um programa de redes neurais, a foto digital, digamos de uma tartaruga, é recebida como números. A partir daí o programa funciona como um grande menu, com uma escolha dentro da outra. O primeiro nível é “o primeiro ponto é verde?”, “sim”. “tem 50 linhas amarelas seguidas”, “não”. Vários submenus adentro, nos niveis mais profundos, a coisa vai sofisticando. “tem quatro patas?”, “sim”, até que o programa chega na resposta final: “Jacaré”. Só que era uma tartaruga, e então ele recebe a resposta “errado, estava bem até o penúltimo”. Todo o truque da coisa é que quando o programa recebe este feedback, ele pega todo o caminho que ele trilhou desde o primeiro menu até chegar no “quatro patas” e aumenta a “nota” deste caminho, e baixa a “nota” do ultimo menu que diz “jacaré”. É assim que ele aprende.

Para se treinar uma rede neural como a de imagens do Google, este processo se repete trilhões de vezes, para cobrir todas as combinações de cores presentes em fotos, e todas as palavras descrevendo o que está em uma foto. Cada vez o programa vai seguindo o caminho entre os menus indicado pelas suas melhores “notas” ligando esta sequência de números que representam as cores da foto e a palavra correspondente. Cada vez o programa recebe feedback e se ajusta.

Quando finalmente o programa começa a acertar e a cometer um número de erros semelhante ao que uma pessoa comete, a rede neural está treinada e pronta para usar. Quando você busca “tartaruga” no Google imagens, a rede usa o treinamento que ela teve e puxa as imagens que correspondem ao caminho de nota mais alta entre a palavra “tartatruga” e as fotos que eles capturaram de toda a internet.

Por mais que o conceito tenha sido inventado nos anos 50, estas redes eram só uma curiosidade até os anos 90, mas o salto realmente se deu nos últimos 10 anos. O problema era que cada camada de menus que se agrega ao programa multiplica por mil a quantidade de calculos necessaria. Com os computadores dos anos 90 se faziam redes com 5 ou 6 niveis de profundidade, o que não permitia muitas coisas. Hoje estas redes chegam a ter 100 mil niveis de profundidade, e a inovação que permitiu isso veio dos videogames.

Para gerar as imagens de um videogame moderno, é necessário multiplicar enormes tabelas de números por outras tabelas de números a uma velocidade muito alta. Olhem qualquer videogame moderno, e uma das coisas que se nota são como a luz do sol se reflete na armadura do heroi do jogo. É um efeito bonito, mas que requer uma quantidade absurda de processamento, com toda a imagem sendo recalculada de 30 a 60 vezes por segundo.

Mesmo que este processo requeira uma quantidade absurda de computação, o mercado de videogames é enorme, e era negocio tentar fazer com que isso funcionasse. Então se desenvolveram chips superespecializados para processar imagens de videogame, um processo que consiste basicamente em multiplicar uma tabela (contendo por exemplo o heroi) por outra tabela (contendo a luz do sol) por 300 outras tabelas contendo as camadas do ambiente em que o herói está, tudo isso de 30 a 60 vezes por segundo, e  sem  incluir o vilāo ainda!  A grande sacada foi quando um engenheiro se deu conta que se podiam usar estes mesmos chips para processar as redes neurais, e toda a ciencia deu um salto. 

Patati com seu amado Tio Mile

No final dos anos 90, uma das primeiras versões utilizáveis das redes neurais para imagens não tentava identificar o que estava na foto, mas somente responder sim ou não à pergunta “tem gente pelada nesta foto?”.  Além de ter boas aplicações comerciais como filtro antipornografia, aquela rede tinha duas vantagens. A primeira era que. para treinar uma rede neural, se precisa ter um grande número de exemplos do que se está tentando ensinar, e fotos de gente pelada é uma coisa que nunca faltou na internet, ao contrário de, por exemplo, fotos de tartaruga, pelo menos no final dos anos 90. O outro problema é que treinar uma rede é exatamente isto, treinar. Uma pessoa precisa alimentar foto por foto, e corrigir a rede quando ela estiver errada. É um trabalho extremamente maçante, e talvez o “tema” dessas fotos tenha facilitado recrutar a mão de obra, que era composta de estudantes universitários.

Até aqui, a moral da historia é que se você é um adolescente e seus pais vierem dizer que os videogames e a pornografia são um disperdicio de tempo, você pode saltar e dizer “Não mesmo! Os videogames e as fotos de gente pelada facilitaram a revolução tecnologica mais importante da historia da humanidade!”

Mesmo com estes avanços, o problema do treinamento existe até hoje. Para treinar o programa de Pôquer que ganhou de todos os campeões, dezenas de jogadores profissionais foram contratados para jogar milhares de jogos de pôquer com o computador. É um sistema muito pouco eficiente. Neste ponto,  a historia volta ao cérebro humano. 
Continua...


Formatura na UFSM - 1997