quarta-feira, junho 03, 2020

Aprendendo sobre AI com meu filho - 3a.Parte



Paulo de Tarso Menini Trindade - Atlanta - 2020
Continuação

"Os aparelhos de ressonância magnética de alta definição estão aprimorando muito nosso entendimento sobre o cérebro. Uma coisa que está ficando clara é que nosso “inconsciente” existe sim, mas é uma coisa muito mais prosaica de que imaginavam os freudianos de outras épocas. Meu exemplo disto é de estar jogando um videogame, ver uma formação de pedras, e imediatamente pensar “estas são pedras basálticas”. Eu não tenho a menor ideia de onde eu aprendi isto, não lembro quando ou de quem, provavelmente décadas atrás. Mais do que isso, eu não sabia que eu sabia reconhecer pedras basálticas, e não sei o que elas são, mas a rede neural do Google Imagens concorda com a minha identificação dessas pedras. 

Em algum momento uma rede neural do meu cérebro aprendeu a reconhecer pedras basálticas, e este programa esteve rodando todo este tempo sem se dar a conhecer, ou seja no “inconsciente”, até que ele registrou um resultado positivo e exigiu a atenção do resto do cérebro. Outro aprendizado importante sobre o cérebro é que não se trata de uma estrutura monolítica e coesa, mas sim vários “orgãos” especificos, interconectados, mas não harmoniosos. O “conflito” interno que nós sentimos entre a vontade de comer um doce e saber que não devemos comer doce é um conflito muito real, entre partes do nosso cérebro que são fisiologicamente definidas. Aquela coisa do anjinho e do diabinho em cada ombro é verdade, só que não estão no ombro, estão dentro do nosso cérebro, e não são só dois, são centenas, talvez milhares. Eles brigam por supremacia todo o tempo, e ganham ou perdem influencia com cada vitoria e derrota. A melhor definição é a da “sociedade da mente”, nossas mentes são como sociedades de individuos, cada um com suas prioridades e ambições. A chave de tudo isso é que o conflito não é um estado anormal ou desarmônico que precisa ser corrigido - é a essencia da nossa mente. Agora levemos isso para os próximos passos da inteligência artificial.


Patati e Massimo,  filho dele.

Um americano de Indiana, chamado Gary Tuft, de quarenta e um anos, passou por um período muito difícil. No mesmo mês, ele foi demitido do trabalho e ficou sem perspectivas de conseguir algo mais, sua mãe faleceu e sua esposa anunciou que estava se divorciando dele. Gary ia à igreja regularmente, mas não era nenhum fanático até passar por esse período tão terrivel. A partir daí, ele passou a rezar muito, frequentar a igreja assiduamente e ler e estudar a bíblia. Com nada mais que o prendesse em Indiana, Gary comprou uma passagem a Jerusalém, buscando inspiração e direção na Terra Santa. Chegando na cidade, Gary se hospedou em um hostal, pegou um folheto turistico e começou a recorrer os lugares sagrados.  A visita a Jerusalém foi tudo o que Gary sonhava. Ele se sentia fascinado pela cidade, suas imagens, seus sons, seus cheiros, suas cores. Sentindo-se mais energizado que jamais em sua vida, Gary passou a caminhar por horas a fio, sem descanso nem vontade de descansar, sem fome, sem sono, somente com o desejo de seguir esta trilha que claramente era o seu destino. Ele foi-se dando conta aos poucos, uma ideia periférica na sua consciência que foi crescendo e tomando conta dele com uma força irresistível. Gary se deu conta que ele era o messias! Ele era o profeta que tinha sido enviado para salvar a humanidade, ele era o único e legítimo filho de deus, ele na verdade era deus encarnado, Gary era deus!


Patati e Valéria

Nos dias que seguiram, Gary acampou no lobby do hostal e passou a gritar e xingar todos os hóspedes e pessoas que passavam, às vezes ameaçando com o fogo do inferno, outras horas oferecendo a salvação que somente ele podia trazer. O dono do hostal não achava que Gary era nenhuma ameaça, para os outros hóspedes ou para si mesmo, mas  ele estava afugentando os clientes e não tinha tomado banho desde que chegara. O dono do hostal discou de memória o número do maior hospital psiquiátrico em Israel, e pediu pelo diretor clínico pelo primeiro nome. Quando este atendeu, ele disse: “Isaac, tenho outro aqui pra ti!” O doutor Isaac Partzold tinha informalmente nomeado a doença de Síndrome de Jerusalém. Pelo menos duas vezes por mês seu hospital recebia um messias ou um deus novo, muitos a mais nas épocas de pico de turismo. Eles eram invariavelmente cristãos - aparententemente a síndrome poupa a judeus e muçulmanos - vinham de vários países e nacionalidades, e quase todos tinham antecedentes de episódios psiquiátricos que requeriam internação. 

Patati e eu

Estar na Terra Santa os descompensava, e o calor e a desidratação pioravam as coisas. O protocolo de tratamento era o mesmo que para episódios de mania: medicamentos antipsicóticos, tranquilizantes quando necessário e terapia de apoio. Geralmente em duas semanas eles podiam viajar de volta para suas casas. A cada tanto o doutor Partzhold tentava tratamentos novos, tentando sempre minimizar a intervenção por medicamentos e usar a terapia como a principal ferramenta. Já que ele estava no epicentro da doença. ele se sentia na obrigação de buscar uma cura. Uma coisa que ele tentou foi colocar dois messias juntos na mesma sala, supervisionados por ele e vários enfermeiros bem grandinhos. A ideia era que talvez cada um vendo o quanto o outro estava convencido da sua ilusão, pensasse um pouco mais nas suas circunstancias e visse a luz, ou melhor, deixasse de ver a luz. Não funcionou, os messias começaram a se xingar um ao outro, cada um se proclamando o messias de verdade, dizendo que o outro era uma fraude, e os dois ameaçando-se mutuamente com o fogo do inferno.

Em Atlanta

Seguindo a tradição de soluções acidentais em tecnologia, um pesquisador americano leu essa mesma história e pensou no seguinte: e se em vez de dois messias na mesma sala eu colocar duas redes neurais? A partir daí ele inventou um jogo. Uma rede neural tinha a tarefa de inventar uma foto de uma pessoa. Essa foto era apresentada à segunda rede neural, junto com quatro fotos de pessoas reais, e a tarefa da segunda rede era identificar qual das cinco fotos era a “inventada”. Quando a segunda rede identificava corretamente a foto inventada ela recebia o feedback positivo e ajustava as “notas” do seu caminho entre os menus, e a rede que gerou a foto inventada recebia o feedback negativo de “nao funcionou assim”, e também ajustava as suas notas. Depois de várias tentativas e ajustes, ele chegou em um modelo que funcionou - as duas redes neurais aprendem juntas, e as fotos de pessoas reais direciona o aprendizado. Finalmente a rede que inventou a foto fica tão boa que a outra rede não consegue mais diferenciar a foto inventada de fotos reais. Nem a rede neural nem nós, e o resultado do treinamento é o que este site thispersondoesnotexist.com está demonstrando.




Outra contribuição de Alan Turing foi o chamado Turing Test, que é um teste para responder à pergunta “este computador é inteligente?”, ou “isto é realmente uma inteligencia artificial?”. Na sua formulação mais simples, o teste é uma pessoa falando com una “entidade”, que pode ser uma pessoa ou um computador, através de um teclado e uma tela. Se depois de determinado tempo, a pessoa não souber dizer com certeza se o que está do outro lado é uma pessoa ou um computador, a “entidade” é inteligente. A medida da inteligência é a capacidade de imitar ser um computador e uma pessoa. Uma pessoa com um pouco de conhecimento consegue imitar ser um computador, mas um computador ainda não consegue fingir ser uma pessoa. Oficialmente nenhum computador ainda passou neste teste, mas essas fotos inventadas são pelo menos a metade do caminho.

A expectativa tanto dos pesquisadores como dos governos e empresas que os patrocinam é que se vai desenvolver uma inteligência artificial. Talvez o modelo a seguir seja este, mas em vez de duas redes neurais em conflito com fotos sejam mil redes diferentes, em conflito sobre dezenas de coisas simultaneamente. Ou milhões de coisas simultaneamente, porque a vantagem do circuito eletrônico sobre o nosso cérebro químico é que sempre é possível fazer uma coisa maior. Um fato importante é que ,uma vez que o aprendizado começa, ele rapidamente ultrapassa a capacidade humana e, de fato, eu não conheço ninguém capaz de “inventar” fotos assim.


Continua...

Qual é o Patati?


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