sexta-feira, junho 05, 2020

Aprendendo sobre AI com meu filho - 4a. e última parte

Paulo de Tarso Menini Trindade - Atlanta - 2020
"Indo mais longe, e quase no terreno da ficção cientifica, mas na verdade ainda ficando na ciência: se nós podemos inventar uma máquina mais inteligente que nós, esta máquina pode inventar uma máquina mais inteligente que ela, e assim em diante? Isto é o que se refere como Singularidade Tecnológica. Singularidade é um termo emprestado da física, como a singularidade do Big Bang, a grande explosão que deu origem ao universo. Não é possible ver o que existia antes do Big Bang, e os próprios conceitos de “existir” e da temporalidade do “antes do Big Bang” não se aplicam. A singularidade tecnologia seria o oposto, é impossível ver o que viria depois.
Tudo isto pode ser um excesso de otimismo ou até meio fantasioso. Uma distinção que surgiu depois de Alan Turing foi entre “inteligência artificial” que claramente existe nas redes neurais treinadas, e “inteligência artificial genérica”, ainda que “não especifica” talvez seja uma tradução melhor. 
Se a tarefa de uma rede neural específica é criar uma foto depois de ser treinada para isto, a tarefa de uma rede não especifica é sem nunca ninguém ter ensinado como, entrar em uma cozinha e fazer café. Isto requer curiosidade para abrir os armários, imaginação para criar uma teoria de como se usa uma máquina de café, entender o que é um café sem que ninguém especifique a proporção de café e água ou se leva açúcar e leite ou não, a certar tudo isto com muito poucas tentativas em vez de milhões. As redes neurais mais avançadas estão longe disso como um grão de areia de um planeta inteiro.

Patati e Massimo

Uma das razões chave de tudo isto é que além do circuito eletrônico ser muito mais tosco que as mensagens químicas do cérebro, a arquitetura do cérebro é muito mais sofisticada e eficiente que uma rede neural. Enquanto uma rede neural funciona “de cima para baixo” com os seus menus, no cérebro a informação sobe desce, vai para frente, e para trás, para os lados, e salta de região a região.

Uma descoberta surpreendente deste entendimento, e bem documentada científicamente é que no cérebro o cachorro sacode o rabo, mas o rabo também sacode o cachorro. Quando nós nos sentimos contentes ou tristes, nossos músculos faciais se contraem em expressōes de sorriso ou tristeza, que são iguais em todas as culturas. A descoberta foi que isto também funciona no outro sentido, forçar nossos músculos faciais a uma expressão de sorriso ou de tristeza nos faz sentir contentes ou tristes, com uma eficácia clínica comparável ao efeito clínico de antidepressivos.


Patati e Massimo

Mesmo assim, é um erro desestimar o progresso tecnológico. Nosso cérebro evolui durante milhões de anos, em um progresso linear, aumentando sua capacidade na mesma quantidade a cada dezena de milênios. O nosso progresso tecnológico está sendo exponencial, os saltos são cada vez maiores, e os progressos que parecem que vão acontecer em um futuro muito distante de repente estão aqui. Os dois enredos mais “manjados” de ficção-científica são a terra sendo invadida por alienígenas e a inteligência artificial que fica muito poderosa e decide matar todo mundo. Estas histórias se repetem porque falam de medos básicos do ser humano, e que existem por boas razões. Ser invadido e destruído por uma força militar superior foi um medo muito realista por grande parte da história humana, a história mais escalofriante de invasão alienígena foi a dos exércitos mongóis liderados por Gengis Khan. Eles tiveram um salto exponencial na sua tecnologia militar que os deixou tão superiores ao resto do mundo que eles literalmente conquistaram e destruíram tudo o que havia desde a China até o leste europeu, incluindo as sociedades mais avançadas daquela época, que eram as do oriente médio. A hegemonia da cultura europeia no mundo de hoje só existe porque quando a invasão dos mongóis já estava chegando perto da França e os mongóis haviam trucidado o último grande exercito europeu, Kublai Khan (neto de Gengis) morreu, e os mongóis fizeram uma pausa na invasão para se reunirem na Mongólia e escolher outro líder, e terminaram se matando entre eles. A Europa naquela época tinha regredido terrivelmente desde a caída do império romano, mas comparado com as ruínas que os mongóis deixaram no resto do mundo, eles tinham a vantagem tecnológica.

O enredo da inteligência artificial que fica muito forte e decide matar todo mundo é uma combinação de dois outros medos. Um é o medo do grande monstro poderoso. É comum que esqueletos da idade da pedra tenham marcas que correspondem exatamente às presas dos agora extintos tigres dente de sabre. Para os nossos ancestrais o monstro era muito real e muito poderoso. O outro medo nesta história é o medo das coisas novas, que sempre foi parte da cultura humana.


Em Santa Maria, Patati, Gugu e Ryan

A matemática do medo ás coisas novas funciona bem para uma sociedade. Se 97% das pessoas são avessas às coisas novas, e 3% tem mente aberta, os 97% mantém o Status Quo, e os 3% se arriscam a inventar coisas novas ou viajar a lugares novos. Se dá certo, as novas tecnologias ou horizontes se incorporam ao Status Quo e toda a sociedade sai ganhando. Se dá errado, 3% da população é uma perda perfeitamente administrável, como demonstrado pela fogueira para Galileu ou a cura gay para Turing. O que há de novo na sociedade de hoje é que o progresso desencadeado por Galileu e acelerado por Turing levou a um Status Quo tāo vasto que somente aprender o básico do conhecimento da sociedade hoje em dia requer um investimento em educação entre 20 e 25 anos, Enquanto nossos antepassados aos 7 ou 8 anos já tinham toda a base de conhecimento necessária para contribuir com a sociedade.


Obrigada, meu filho pelos ensinamentos todos.

O medo ás coisas novas é muito grande, e todas as inovações tecnológicas, desde o fogo e a roda, geraram resistência e medo. Este medo sempre foi exagerado, mesmo a energia nuclear que gerou o arsenal nuclear que a gente esquece às vezes que segue existindo, nos deu a fonte de energia mais segura, limpa e de menor impacto ambiental que existe. Sim, morreram centenas de pessoas nos acidentes nucleares de Chernobyl e Fukushima, mas se comparamos o número de pessoas que morrem na exploração de petroleo todos os anos, ou mais corretamente, o numero de mortes por milhões de killovats de energia gerados, a energia nuclear é mais de cinco mil vezes mais segura que o petróleo - e isso sem contar o impacto ambiental.

Eu sou otimista em relação à tecnologia. Ela sempre nos levou para diante, por mais assustadora que pareça ser. Talvez não cheguemos a uma inteligência artificial capaz de fazer café sozinha, mas vendo com esta capacidade de criar fotos de pessoas que não existem, não é difícil imaginar uma rede com a missão de “escreve uma sinfonia do Mozart”, ou “escreve um livro do Machado de Assis”.

Atlanta, maio de 2020.

Um comentário:

  1. Fantástico o texto do Patati! Impressionante a capacidade dele de escrever sobre um tema tão complexo como a IA de uma forma tão didática. Obrigada por compartilhar esses conhecimentos conosco Aldema. Saudades. Bjos a vc e ao Patati também.

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