«Nunca altero o que escrevi», disse-me uma vez o meu mestre Caeiro.
«Se o escrevi assim é porque o senti assim, e nada tem para o caso que
eu hoje sinta de um modo diferente. Os meus poemas contradizem-se muitas
vezes, bem sei, mas que importa, se eu me não contradigo? Há coisas
nalguns dos meus poemas, sabe?, que eu não seria capaz de escrever
agora, em ocasião nenhuma. Mas escrevi-as então, e essa é que foi a
ocasião em que as escrevi. Por isso ficam como estão.»
«Olhe, por exemplo, várias coisas no poema sobre o Menino Jesus. Eu
hoje era incapaz, nem por distração, de dizer que «a direcção do meu
olhar é o dedo dele apontando». Eu era incapaz de dizer que «ele brinca
com os meus sonhos» e vira uns de pernas para o ar, e põe uns em cima
dos outros, e outras coisas assim. Enfim, eu era incapaz de escrever o
poema hoje, e afinal isso é que quer dizer tudo.»
«Não, não têm defesa. São absolutamente falsas. A direcção de um
olhar não é um dedo: é a direcção de um olhar. Não se brinca com sonhos
como se fossem pedras ou caixas de fósforos vazias. E tudo aquilo mesmo
não é nada. Foi uma distracção minha e eu também existo nas minhas
distracções, embora distraidamente."
Fernando Pessoa
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