quinta-feira, novembro 14, 2013

Viagem a Cuba - por Paulo Menini Trindade



Primeiro, para “calibrar” meu texto com os da minha mãe, escrevo um pouco sobre minha experiência de viagens:
Fazia muito tempo que eu não ia a um país pela primeira vez. Geralmente é a quarta, sexta, ou sei lá qual vez, mas não lembro da última vez que fui a um país pela primeira vez. Quase nunca viajo, como a mãe, por aventura. Não que faltem aventuras nas minhas viagens, tem  demais, mas minhas viagens geralmente são de trabalho, curtas, intensas, tensas, cansativas e de agenda cheia. Isso não é culpa do trabalho, sou eu que sofro de excesso de otimismo a respeito da minha histamina (cinco dias seguidos, das 7h da manhã até as 11 da noite é fácil!). E também sofro de mais do que um pouco de cinismo e misantropia, que eu gostaria de poder dizer que adquiri com os anos, mas a verdade é que sempre fui assim. 


Diferente da minha mãe que vê a magia que existe no mundo, eu acho que hoje em dia todas as cidades do mundo não são mais distintas umas da outras do que um shopping é diferente um do outro - quem viu um viu todos. São maiores ou menores, mais ricos ou menos ricos, com lugares enfeitados para os turistas tirarem foto na frente, mas no fundo a mesma coisa: trânsito, pressa, gente tentando fazer o que pode para pagar as contas, criar os filhos, não morrer de câncer;  gente esperando chegar a hora de ir para casa e ver a novela. 


Tragédias, comédias e farsas que se repetem milhões de vezes todos os dias, e que não são menos épicas por isso, mas não são novidades. Ir para Havana me fez pensar em um texto do Luís Fernando Veríssimo em que ele sugeria que qualquer projeto deveria ter um “deslumbrado” na equipe. Alcançamos nossos objetivos? Chama o deslumbrado! O deslumbrado diz Ohhh, Ahhh... e desmaia - dá a devida importância para a coisa. Talvez eu devesse ter levado um deslumbrado junto para Cuba...


Vamos lá, Cuba, a trabalho:
- O vôo desde Miami: eu evito o aeroporto de Miami como quem evita conjuntivite ou fila de banco. É feio, sujo, desorganizado, tudo demora demais, cheio de turistas. Desta vez não teve como evitar, por conta do embargo dos EUA não há vôos comercias para Cuba, somente charters, que são na verdade vôos comerciais, mas operados como charters por empresas de turismo e não por uma empresa aérea de verdade. O check-in foi um processo fascinante. Um vôo pequeno, umas 100-120 pessoas, um balcão inteiro do aeroporto, 14 pessoas trabalhando atrás do balcão, e eles conseguem demorar três horas e meia para fazer o check-in. Quatro filas diferentes, ninguém sabendo bem para que era cada fila. Quando eu consegui "desembrabecer" da demora fiquei fascinado! As 14 pessoas atrás do balcão faziam tudo o que podiam, mas quem desenhou o processo de check-in não era um incompetente qualquer, era um gênio em planejar mal, um virtuoso da incompetência. Os piores burocratas que já vi no Brasil, tinham muito para aprender com esse cara, e não estou falando dos de hoje em dia, que são supereficientes e atenciosos, mas os do tempo da máquina de escrever e  da cópia a carbono. Esse cara seria o messias daqueles burocratas!


- Primeiras impressões: Cuba é um lugar impressionantemente parecido com outros lugares. Eu esperava uma coisa diferente de todo o resto do mundo, tudo de outra maneira, os carros antigos, as pessoas vestidas diferente, talvez todo mundo de barba comprida, incluindo as mulheres. Afinal, se esta é a disneylandia da esquerda, onde estão a branca de neve e o mickey? Não vi ninguém vestido de Che Guevara! Muito parecido com Santo Domingo na República Dominicana, a mesma arquitetura, as mesmas pessoas. A única diferença era o conteúdo dos outdoors na cidade, em vez de anunciar coca-cola ou carro Hyundai, eram todos lembranças de herois da pátria. Ponto para eles, gostei. Me fez pensar em Santo Domingo também porque naquela cidade eu vi uma avenida Tiradentes e se não me engano uma rua Getúlio Vargas, além de Martin Luther King, Giuseppe Garibaldi (heroi dos gaúchos e heroi nacional da Italia),e outros de outros países. É que a República Dominicana não teve exatamente muitos herois nacionais, então eles pegaram emprestados de outros países...Os carros igual eram Hyundai, ou VW, ou Renault, com alguns antigos ainda pelo meio, mas não tantos.


- Táxis: ser motorista de táxi é uma profissão muito privilegiada em Cuba, é um trabalho que dá acesso a dólares, euros, moedas que podem ser usadas para comprar qualquer coisa, muito diferente da moeda local que só serve para comprar nas lojas do governo, que não têm nada. Entro em um taxi, sento na frente, falo um pouco com o motorista, um cara de uns 50 anos, e pergunto como se faz para ser motorista de táxi em Havana? Ele me explica que tem que fazer um curso, chegar a uma certa nota no curso, e depois pode-se dirigir um taxi que é uma concessão do governo. Olho para ele e digo “muito bonita esta história, mas como se faz para ser motorista de táxi em Havana?” Ele me olha, passa um segundo e nós dois caímos na gargalhada! Quando paramos de rir ele diz, com muito cuidado afinal ele não sabe quem eu sou: “olha, eu não vou dizer que não é como o senhor está pensando...”.


- Hotéis: eu tinha uma reserva no Hotel Nacional, que é um ícone do país, construído pela máfia nos anos 30. Realmente muito bonito, só que eles perderam a minha reserva. Depois de duas horas de eu brigar com a operadora de turismo (de propriedade do governo como tudo), e de os funcionários do hotel me olharem com cara de que não entendiam como eu podia ser tão impaciente em vez de simplesmente aceitar que as vezes as coisas não tem jeito e tem que se conformar. Eu acredito piamente que, se as coisas não dão certo, a gente agarra as coisas pelas fuças e faz dar certo. E pronto. Terminei em outro hotel, este moderno, também com vista para o mar, mas sem o charme do outro. E o ar-condicionado não funcionava, mas não funcionava no Nacional também - seis por meia-dúzia.


- O valor do tempo:  internet somente em um cafe de internet ao lado do hotel. No primeiro dia, vou às 6 da tarde, a moça está fechando o café, tudo bem. No segundo dia vou às 5:15, o café aberto, só um cara sentado em um dos 8 computadores, mas a moça me diz que não de novo, com um tom imperioso e definitivo, o que diz que a gente tem que aceitar que as coisas não tem jeito e se conformar. Eu pergunto por que, ela me diz que não dá tempo, porque eram 5:15 e ela ia fechar às 5:30 em ponto. Fascinante. Eu terminei de me dar conta que o valor do tempo deles é outro, que ela não entendia porque alguém pagaria para usar a internet só por 15 minutos. A gente tem que aceitar que as coisas não tem jeito e se conformar.



Esperar é uma realidade da vida lá, é uma coisa esperada. O dinheiro vale muito, o tempo não tanto. O tempo vale muito menos que em qualquer lugar que eu já vi. Tem que se conformar. Saí de lá em nove minutos e meio, tendo feito todas as coisas urgentes de trabalho, que não eram muito poucas. 15 minutos é uma eternidade para quem tem determinação, em 15 minutos se ganha ou se perde uma fortuna, se faz chover ou fazer sol, se move o mundo. Aprender a matar 457 alienigenas em menos de dois minutos jogando Galaga tem beneficios cognitivos importantes, essa gente deveria passar mais tempo jogando videogame.


- Comida: eu gosto muito de frutas. Esperava encontrar uma imensa variedade de frutas deliciosas e exóticas que eu nunca tinha visto antes. Encntrei maçãs da Argentina, bananas locais bem sem graça, e melão com cara de que veio da Guatemala no navio da semana retrasada. Fora isto a comida é deliciosa. Feijão, frango assado na tremp, banana frita. Simples e muito saborosa mesmo.


- Televisão: o hotel tinha todos canais internacionais, mas também tinha uns quatro ou cinco canais locais fantásticos, que são os que a população tem acesso. Um de noticias, um de esportes, um ou dois de novelas venezuelanas, mas todos produzidos localmente e bastante bem produzidos. A parte fantástica era o quanto tendenciosos eram. Cuba é perfeito, a Venezuela é o paraíso, os EUA e o resto do mundo são o inferno na terra. Tão ridiculamente tendenciosos como, digamos, a Fox News nos Estados Unidos, que faz a mesma coisa, só que para a direita fanática de lá. Fanático é fanático, muda o logotipo da banderinha mas o discurso é o mesmo, “Nós somos os únicos que estão certos”, “estamos baixo ameaça dos nossos inimigos por isso temos que lutar”, “a nossa maneira de viver é a melhor do mundo e quem disser o contrário está iludido”, etc.

- A melhor parte: não ter celular, internet, email, cartão de crédito. Foram dois dias mas pareceu um mês. Desci do vôo de uma hora me sentindo como quem voltou de um inverno na Antártica, pronto para que o mundo todo tivesse mudado radicalmente. Não tinha mudado.

Observações:
Paulo de Tarso Menini Trindade é meu filho;
agradeço a ele o envio deste texto;
gosto do seu estilo irônico e mordaz, mas lúcido e honesto;
no primeiro momento, pensei que ele ia me comparar com o deslumbrado - até pensei em responder : é a tua mãe! Depois, dei-me conta que era como mencionar seis e meia dúzia;
sei que ele não faz fotos em viagens - decidi , então, proceder como qualquer mãe do mundo e procurar nos meus arquivos  fotos dele, para mostrar como é bonito o meu menino!,

3 comentários:

  1. Adorei o texto e as fotos também.Saiu igualzito ao pai.
    Deu saudades de vocês dos tempos em que crianças e eu acompanhava alguns fatos deliciosos da vida em família,no nosso velho Alegrete.
    Parabéns, Aldema, pelo filho inteligente como a mãe e o pai.

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  2. Adorei viajar com o Patati. Abraços

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  3. Amei o texto. Lindo teu filho!

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