Primeiro, para “calibrar” meu texto com os da minha mãe, escrevo um pouco sobre minha experiência de viagens:
Fazia
muito tempo que eu não ia a um país pela primeira vez. Geralmente é a
quarta, sexta, ou sei lá qual vez, mas não lembro da última vez que fui a
um país pela primeira vez. Quase nunca viajo, como a mãe, por aventura.
Não que faltem aventuras nas minhas viagens, tem demais, mas minhas
viagens geralmente são de trabalho, curtas, intensas, tensas,
cansativas e de agenda cheia. Isso não é culpa do trabalho, sou eu que
sofro de excesso de otimismo a respeito da minha histamina (cinco dias
seguidos, das 7h da manhã até as 11 da noite é fácil!). E também sofro de
mais do que um pouco de cinismo e misantropia, que eu gostaria de poder
dizer que adquiri com os anos, mas a verdade é que sempre fui assim.
Diferente da minha mãe que vê a magia que existe no mundo, eu acho que
hoje em dia todas as cidades do mundo não são mais distintas umas da
outras do que um shopping é diferente um do outro - quem viu um viu
todos. São maiores ou menores, mais ricos ou menos ricos, com lugares
enfeitados para os turistas tirarem foto na frente, mas no fundo a mesma
coisa: trânsito, pressa, gente tentando fazer o que pode para pagar as
contas, criar os filhos, não morrer de câncer; gente esperando chegar a
hora de ir para casa e ver a novela.
Tragédias, comédias e farsas que se
repetem milhões de vezes todos os dias, e que não são menos épicas por
isso, mas não são novidades. Ir para Havana me fez pensar em um texto do
Luís Fernando Veríssimo em que ele sugeria que qualquer projeto deveria
ter um “deslumbrado” na equipe. Alcançamos nossos objetivos? Chama o
deslumbrado! O deslumbrado diz Ohhh, Ahhh... e desmaia - dá a devida
importância para a coisa. Talvez eu devesse ter levado um deslumbrado
junto para Cuba...
Vamos lá, Cuba, a trabalho:
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O vôo desde Miami: eu evito o aeroporto de Miami como quem evita
conjuntivite ou fila de banco. É feio, sujo, desorganizado, tudo demora
demais, cheio de turistas. Desta vez não teve como evitar, por conta do
embargo dos EUA não há vôos comercias para Cuba, somente charters, que
são na verdade vôos comerciais, mas operados como charters por empresas
de turismo e não por uma empresa aérea de verdade. O check-in foi um
processo fascinante. Um vôo pequeno, umas 100-120 pessoas, um balcão
inteiro do aeroporto, 14 pessoas trabalhando atrás do balcão, e eles
conseguem demorar três horas e meia para fazer o check-in. Quatro filas
diferentes, ninguém sabendo bem para que era cada fila. Quando eu consegui
"desembrabecer" da demora fiquei fascinado! As 14 pessoas atrás do balcão
faziam tudo o que podiam, mas quem desenhou o processo de check-in não
era um incompetente qualquer, era um gênio em planejar mal, um virtuoso
da incompetência. Os piores burocratas que já vi no Brasil, tinham muito
para aprender com esse cara, e não estou falando dos de hoje em dia, que são
supereficientes e atenciosos, mas os do tempo da máquina de escrever e
da cópia a carbono. Esse cara seria o messias daqueles burocratas!
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Primeiras impressões: Cuba é um lugar impressionantemente parecido com outros lugares.
Eu esperava uma coisa diferente de todo o resto do mundo, tudo de outra
maneira, os carros antigos, as pessoas vestidas diferente, talvez todo
mundo de barba comprida, incluindo as mulheres. Afinal, se esta é a
disneylandia da esquerda, onde estão a branca de neve e o mickey? Não vi
ninguém vestido de Che Guevara! Muito parecido com Santo Domingo na
República Dominicana, a mesma arquitetura, as mesmas pessoas. A única
diferença era o conteúdo dos outdoors na cidade, em vez de anunciar
coca-cola ou carro Hyundai, eram todos lembranças de herois da pátria.
Ponto para eles, gostei. Me fez pensar em Santo Domingo também porque
naquela cidade eu vi uma avenida Tiradentes e se não me engano uma rua
Getúlio Vargas, além de Martin Luther King, Giuseppe Garibaldi (heroi
dos gaúchos e heroi nacional da Italia),e outros de outros países. É que a
República Dominicana não teve exatamente muitos herois nacionais, então
eles pegaram emprestados de outros países...Os carros igual eram
Hyundai, ou VW, ou Renault, com alguns antigos ainda pelo meio, mas não
tantos.
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Táxis: ser motorista de táxi é uma profissão muito privilegiada em
Cuba, é um trabalho que dá acesso a dólares, euros, moedas que podem ser
usadas para comprar qualquer coisa, muito diferente da moeda local que
só serve para comprar nas lojas do governo, que não têm nada. Entro em
um taxi, sento na frente, falo um pouco com o motorista, um cara de uns
50 anos, e pergunto como se faz para ser motorista de táxi em Havana?
Ele me explica que tem que fazer um curso, chegar a uma certa nota no
curso, e depois pode-se dirigir um taxi que é uma concessão do governo.
Olho para ele e digo “muito bonita esta história, mas como se faz para
ser motorista de táxi em Havana?” Ele me olha, passa um segundo e nós
dois caímos na gargalhada! Quando paramos de rir ele diz, com muito
cuidado afinal ele não sabe quem eu sou: “olha, eu não vou dizer que não
é como o senhor está pensando...”.
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Hotéis: eu tinha uma reserva no Hotel Nacional, que é um ícone do país,
construído pela máfia nos anos 30. Realmente muito bonito, só que eles
perderam a minha reserva. Depois de duas horas de eu brigar com a
operadora de turismo (de propriedade do governo como tudo), e de os
funcionários do hotel me olharem com cara de que não entendiam como eu
podia ser tão impaciente em vez de simplesmente aceitar que as vezes as
coisas não tem jeito e tem que se conformar. Eu acredito piamente que, se as
coisas não dão certo, a gente agarra as coisas pelas fuças e faz dar
certo. E pronto. Terminei em outro hotel, este moderno, também com vista
para o mar, mas sem o charme do outro. E o ar-condicionado não
funcionava, mas não funcionava no Nacional também - seis por meia-dúzia.
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O valor do tempo: internet somente em um cafe de internet ao lado do
hotel. No primeiro dia, vou às 6 da tarde, a moça está fechando o café,
tudo bem. No segundo dia vou às 5:15, o café aberto, só um cara sentado
em um dos 8 computadores, mas a moça me diz que não de novo, com um tom
imperioso e definitivo, o que diz que a gente tem que aceitar que as
coisas não tem jeito e se conformar. Eu pergunto por que, ela me diz que
não dá tempo, porque eram 5:15 e ela ia fechar às 5:30 em ponto.
Fascinante. Eu terminei de me dar conta que o valor do tempo deles é
outro, que ela não entendia porque alguém pagaria para usar a internet
só por 15 minutos. A gente tem que aceitar que as coisas não tem jeito e
se conformar.
Esperar é uma realidade da vida lá, é uma coisa esperada. O dinheiro vale muito, o tempo não tanto. O tempo vale muito menos que em qualquer lugar que eu já vi. Tem que se conformar. Saí de lá em nove minutos e meio, tendo feito todas as coisas urgentes de trabalho, que não eram muito poucas. 15 minutos é uma eternidade para quem tem determinação, em 15 minutos se ganha ou se perde uma fortuna, se faz chover ou fazer sol, se move o mundo. Aprender a matar 457 alienigenas em menos de dois minutos jogando Galaga tem beneficios cognitivos importantes, essa gente deveria passar mais tempo jogando videogame.
Esperar é uma realidade da vida lá, é uma coisa esperada. O dinheiro vale muito, o tempo não tanto. O tempo vale muito menos que em qualquer lugar que eu já vi. Tem que se conformar. Saí de lá em nove minutos e meio, tendo feito todas as coisas urgentes de trabalho, que não eram muito poucas. 15 minutos é uma eternidade para quem tem determinação, em 15 minutos se ganha ou se perde uma fortuna, se faz chover ou fazer sol, se move o mundo. Aprender a matar 457 alienigenas em menos de dois minutos jogando Galaga tem beneficios cognitivos importantes, essa gente deveria passar mais tempo jogando videogame.
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Comida: eu gosto muito de frutas. Esperava encontrar uma imensa
variedade de frutas deliciosas e exóticas que eu nunca tinha visto
antes. Encntrei maçãs da Argentina, bananas locais bem sem graça, e
melão com cara de que veio da Guatemala no navio da semana retrasada.
Fora isto a comida é deliciosa. Feijão, frango assado na tremp, banana
frita. Simples e muito saborosa mesmo.
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Televisão: o hotel tinha todos canais internacionais, mas também tinha
uns quatro ou cinco canais locais fantásticos, que são os que a
população tem acesso. Um de noticias, um de esportes, um ou dois de
novelas venezuelanas, mas todos produzidos localmente e bastante bem
produzidos. A parte fantástica era o quanto tendenciosos eram. Cuba é
perfeito, a Venezuela é o paraíso, os EUA e o resto do mundo são o
inferno na terra. Tão ridiculamente tendenciosos como, digamos, a Fox
News nos Estados Unidos, que faz a mesma coisa, só que para a direita
fanática de lá. Fanático é fanático, muda o logotipo da banderinha mas o
discurso é o mesmo, “Nós somos os únicos que estão certos”, “estamos
baixo ameaça dos nossos inimigos por isso temos que lutar”, “a nossa
maneira de viver é a melhor do mundo e quem disser o contrário está
iludido”, etc.
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A melhor parte: não ter celular, internet, email, cartão de crédito.
Foram dois dias mas pareceu um mês. Desci do vôo de uma hora me sentindo
como quem voltou de um inverno na Antártica, pronto para que o mundo
todo tivesse mudado radicalmente. Não tinha mudado.
Observações:
Paulo de Tarso Menini Trindade é meu filho;
agradeço a ele o envio deste texto;
gosto do seu estilo irônico e mordaz, mas lúcido e honesto;
no primeiro momento, pensei que ele ia me comparar com o deslumbrado - até pensei em responder : é a tua mãe! Depois, dei-me conta que era como mencionar seis e meia dúzia;
sei que ele não faz fotos em viagens - decidi , então, proceder como qualquer mãe do mundo e procurar nos meus arquivos fotos dele, para mostrar como é bonito o meu menino!,
Observações:
Paulo de Tarso Menini Trindade é meu filho;
agradeço a ele o envio deste texto;
gosto do seu estilo irônico e mordaz, mas lúcido e honesto;
no primeiro momento, pensei que ele ia me comparar com o deslumbrado - até pensei em responder : é a tua mãe! Depois, dei-me conta que era como mencionar seis e meia dúzia;
sei que ele não faz fotos em viagens - decidi , então, proceder como qualquer mãe do mundo e procurar nos meus arquivos fotos dele, para mostrar como é bonito o meu menino!,
Adorei o texto e as fotos também.Saiu igualzito ao pai.
ResponderExcluirDeu saudades de vocês dos tempos em que crianças e eu acompanhava alguns fatos deliciosos da vida em família,no nosso velho Alegrete.
Parabéns, Aldema, pelo filho inteligente como a mãe e o pai.
Adorei viajar com o Patati. Abraços
ResponderExcluirAmei o texto. Lindo teu filho!
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