quinta-feira, junho 25, 2015

Primavera na Espanha


Tulipas, abril, Madrid. Real Jardim Botânico.


Morar em Madrid durante uma primavera -  foi a minha decisão, em janeiro deste ano, ao voltar da Espanha para o Brasil. Entre uma viagem e outra, pouco tempo de intervalo: reconheço a   passagem rápida dos anos e os muitos que já vivi. As horas todas da vida ... devo vivê-las o mais intensamente possível. A consciência de que se morre, tive-a mais aguda com a morte de Ronald.Segui a decisão de voltar. Voltei .Fui feliz aqui  -   mas terminou a primavera. Hora de retornar. Hora de agradecer. Hora de avaliar. Hora de construir outro roteiro.



Granada - Bairro Árabe


Planejo minha vida, atualmente,  por trimestre e para um trimestre. Já foi anual o  planejamento. Já foi semestral sua execução. Por enquanto, três meses está de bom tamanho - e estes três últimos foram realmente  bons.  Ampliei memorias.     Acrescentei movimentos e conhecimentos. Vivi bem e com intensidade. Ri e chorei. Senti saudades e  fiz projetos : como faz quem está vivo em qualqer lugar do mundo.



Friozinho de abril


Minha preferência pela primavera tem várias razões. Não gosto de viagens nos meses de julho e agosto. Há muita gente nas ruas, nos museus, nos restaurantes; os trens andam superlotados; os preços sobem; as passagens aéreas ficam mais caras; a oferta de hoteis, bem menor; o sol é forte; o calor , doloroso. Se a viagem não for na primavera, que seja no outono - uma estação belíssima também - ou até no inverno.



Apresentações musicais em praças e ruas  - É primavera!


Na primavera, tem a magia do renascimento em todos os lugares. Até as pessoas parecem mais felizes. O colorido dos jardins já justificaria a escolha; vejo, entretanto, mais vantagens...O clima é ótimo: um friozinho em março/abril, uma temperatura perfeita em maio e um calorzinho em junho. Há oferta maior de passagens e hoteis. Museus e galerias estão mais tranquilos. Acontecem Festivais e iniciam-se  temporadas de teatro e de ópera. Tudo se torna mais musical e colorido.




Cores e aromas primaveris


Na primavera, recomeçam ou ganham novo impulso os Mercados de Rua - ou  Feiras - uma tradição do Velho Mundo. Faz sentido. Passado o inverno, as frutas , por exemplo reaparecem lindas. Abril e maio são  meses de pêssegos, figos, cerejas, morangos e framboesas. Dia de feira é dia de movimentação em qalquer cidade. É dia de a gente encontrar pessoas do lugar - e turistas curiosos. Eu amo ir à feira, em qualquer lugar.



Mercado em Barcelona


Antes do verão, os europeus estão nas suas casas, na sua cidade, onde  curtem o fim do inverno, os dias maiores, o sol reaparecendo mais forte, as lojas expondo novidades, as praças com mais gente local - até dá para encontrar amigos na rua. É claro que há turistas. Eles estão em toda parte e o tempo todo, mas são em menor quantidade que nos meses bem quentes. Li que a Espanha, em abril do ano passado, recebeu  três milhões de turistas a menos do que em julho. Estou convencida de que a primavera é a melhor estação para uma temporada na Europa.




Madrid, Plaza Mayor, Festa de San Isidro.


Logo estarei no Brasil e começarei a decidir para onde irei depois da próxima viagem.  No meu projeto inicial, desta vez,  constavam viagens a República de Malta, Marrocos e Noruega. Gostei tanto de percorrer o interior da Espanha, que deixei Noruega para uma outra temporada. Talvez seja melhor ficar um tempo na Dinamarca - e fazer viagens a partir de lá. Veremos! Já fiquei tanto aqui quanto na Ásia por vários meses, mas sem casa, em constantes mudanças - de mala e cuia! Gostei, no entanto, da experiência atual: ficar morando numa localidade e viajando, com quase nada de bagagem, para outros países e outras cidades.



Modelitos 
Antes de retornar , porém, permito-me fazer alguns agradecimentos. Aos meus amigos da Espanha, que se preocuparam que eu me sentisse bem no País, especialmente  Marisol, Carla, Cristina, Pedro e María Jesus; às minhas amigas Duda e Adriana, com quem passei dias muito agradáveis  e que estiveram comigo inclusive quando aprontei um gripão; aos meus amigos de diferentes lugares que, através do meu blog e do Facebook, foram constantes companheiros nesta viagem; e às pessoas da minha família, que se mostraram constantemente atentas ao meu bem-estar. Gracias a todos. Que o Universo lhes retribua como merecem.

Partindo de Bilbao

" Olá, guardador de rebanhos,
Aí na beira da estrada, 
Que te diz o vento que passa?"



República de Malta
" Que é vento, e que passa,
E que já passou antes,
E que passará depois.
E a ti o que te diz?"

Marrocos : Fez
" Muita coisa mais do que isso.
Fala-me de muitas outras coisas.
De memórias e de saudades
E de coisas que nunca foram."


Fernando Pessoa


Madrid - Museu Thyssen-Bornemisza


PS. Nutricionistas ensinam que não se entre em supermermercado com fome. Aprendi que não se deve entrar em shopping quando se está com saudade de família e amigos. Ao arrumar minha bagagem, precisei comprar mais uma mala. Agora serão duas. Na segunda , estarão os 20 quilos de saudade ou resultantes dela.



Gracias, Espanha! 


terça-feira, junho 23, 2015

Ávila e suas Muralhas: Patrimônio da Humanidade

Magnficas Muralhas de Ávila - século XII
Cheguei à Estação de Chamartin sem ter definido para que cidade eu iria. Eram muitas as opções que eu enxergava, apenas observando, no mostrador, as próximas saídas de trem. No último momento, optei por retornar a Ávila, onde já havia estado uma vez e visitado as igrejas principais. Veio-me o desejo de percorrer as Muralhas em toda a sua extensão. Concentrei-me nisso.

Muralhas próximas à entrada para a Catedral
Ávila é considerada média distância, com  trens frequentes por estar no caminho para Salamanca e outras cidades do Norte. Ainda não estão transitando, nessa parte do país, aqueles trens espanhois de alta velocidade - 250 km/h.  Gasta-se , então,  de Chamartin à estação de principal de lá, 1h30min. Já eram quase 11h quando cheguei. Calor. Sol forte. Decidi ir caminhando até o Centro Histórico. Por ser longe e cansativo , encarei essa caminhada como penitência...Cheguei a fazer o rol de  maldades minhas que poderiam  justificá-la...

Muralhas nas proximidades do antigo mercado 
Pensei em começar a visita entrando numa igreja, no interior das muralhas. Parei, entretanto, ao ver um restaurante - que me havia sido recomendado na Estação e que estava localizado quase na frente da Catedral. Pedi o menu do dia ( 15 euros ), em que se podia escolher o primeiro prato entre cinco opções; e o segunto, entre quatro outras.....



Rua da Catedral - Porta dos Leões
.........Incluía água, refrigerante, cerveja ou vinho, pão e sobremesa. Pedi água. Aceito que pensem ser um desperdício....Para comer, escolhi Judias de Ávila - feijão branco com linguiça - e o típico, Chuleton de Ávila, uma chuleta fininha feita na grelha. Comida razoável. A sobremesa, sim,  arrasou: creme de queijo coberto com geleia de amora.

Ruazinha linda no interior das Muralhas
Tomei um café e , assim, devidamente alimentada e hidratada, passei pelo Centro Histórico e , saindo pela Porta do Rastro, fui percorrer, externamente, os dois quilômetros e meio de imponentes muralhas - que estão entre os perímetros medievais mais bem conservados do mundo - as mais perfeitas que conheço na Espanha. Têm 88 torres de observação, mais de 2 mil torres e 8 portões monumentais. À noite, ficam totamente iluminadas.Lindo de se ver.

Uma das oito Portas  Monumentais
Ávila é uma cidade profundamente religiosa. Há séculos, recebe peregrinos que cultuam Santa Teresa de Ávila, a Teresa de Cepeda y Ahumada, nascida aqui, em 28 de março de 1515. Uma igreja foi construída em torno do quarto onde Santa Teresa nasceu e ,  exatamente no lugar do quarto, construíram  uma capela, adornada com ouro, e com um belo altar barroco, onde está uma estátua da Santa.

Comemoração dos 500 anos de Santa Teresa
As grandes festas deste ano, na cidade, são comemorativas aos 500 anos do nascimento de Santa Teresa. Ela foi a segunda mulher a ser reconhecida como doutora pela Igreja Católica - a primeira foi Santa Catarina de Siena. Pode-se visitar o convento de Santa Teresa, construído em 1636, e ver a igreja, a sala de relíquias e um pequeno museu. Entre as relíquias, um anel dela acompanhado do dedo anular. Essa relíquia macabra Franco a manteve na sua mesinha de cabeceira enquanto governou a Espanha!

Roseiras em trechos das Muralhas
Teresa era uma entre os 10 filhos de uma família de comerciantes. Sua mãe  morreu, e ela foi criada por freiras agostinianas. Aos 20 anos, transferiu-se para a ordem das carmelitas. Tudo transcorria sem novidades, até que ela começou a ter visões terríveis do inferno em 1560 - nessa época não se fazia análise ou terapia. Decidiu, então, que sua verdadeira vocação era reformar a ordem carmelita.

Cartaz espalhado por toda a cidade
Contrariando a riqueza eclesiástica do século XVI, na Espanha, Teresa criou um estilo muito simples para a Ordem Carmelita - as freiras andavam descalças, viviam em condições extremamente básicas e até empregavam o flagelo para expiar seus pecados. Ela fundou o conventos de Carmelitas Descalças por todo o seu País. Morreu em 1582 e foi canonizada pelo papa Gregório XV em 1622.

Porta del Carmem
Fora o turismo religioso, o grande destaque de Ávila são mesmo as muralhas e seus portões magníficos. É interessante  fazer um passeio de Muralito, um encanto de trem turístico que faz um circuito completo ao redor das muralhas em 30 minutos. No mais,  os outros destaques são mesmo as igrejas, como a Basílica de São Vicente, que teria sido morto pelos romanos, no século IV, juntamente com suas duas irmãs; a Catedral, o Convento de Santa Teresa e a Igreja de São Pedro.

STJ 500 
O predomínio das festas na cidade também está com o enfoque religioso.A Festa da Padroeira acontece na segunda semana de outubro, com procissões, fogos de artifício e concertos. A Semana Santa é também bastante famosa, com destaque para a procissão de Sexta-Feira, que faz seu trajeto ao amanhecer, por volta das 05horas, contornando todo o perímetro da Muralha.

Belos contrastes
Ouve-se que Ávila tem muitos santos, poucos bares e quase nada de festas. Faz sentido. Há, no entanto, muitos hoteis, hostais ( hoteis mais econômicos e tipicamente espanhois ) e paradouros, dentro e fora das muralhas. Os preços são variados, predominando os mais econômicos. Os principais restaurantes e cafeterias estão fora das muralhas - um ponto forte é a comida regional.

Edifício públicos


Cansada com  a longa peregrinação e com horário definido para retornar a Madrid de trem, saí da parte amuralhada e comecei a procurar um táxi, em frente a uma praça. Nada de conseguir. Aproximaram-se de mim três meninos e sugeriram que eu sentasse e descansasse, enquanto eles procuravam, por telefone, localizar algum carro. Vi que estavam encantados com a boa ação. Em poucos minutos, resolveram meu problema. Pedi para fazer uma foto deles - como se pode ver, ficaram felizes com o sucesso da empreitada. Belas crianças! Que o mundo não lhes tire a generosidade e espontaneidade.

Muchas gracias!

"Hoje de manhã saí muito cedo,
Por ter acordado ainda mais cedo
E não ter nada que quisesse fazer...

Faculdade de Direito
Não sabia que caminho tomar
Mas o vento soprava forte, varria por um lado,
E segui o caminho para onde o vento me soprava nas costas.



Basílica de São Vicente

Assim tem sido sempre a minha vida, e
assim quero que possa ser sempre -
Vou onde o vento me leva
E não me  sinto pensar."

Fernando Pessoa

Muralhas de Ávila

sábado, junho 20, 2015

Marrakech : Tradição e Modernidade

Na Medina de Marrakech

Li - e achei curioso - que o nome Marrakech significa, na língua berbere,  Marra Kech! que quer dizer Anda Depressa. A origem do nome seria anterior à fundação da cidade. O local era, então, habitado por bandidos muito perigosos, que costumavam roubar os cavalos dos viajantes que por ali passavam. Para conseguir escapar dos ladrões , gritavam Marra Kech! Marra Kech! Com esse nome, mais tarde, a nova cidade foi batizada.


Produção tradicional de Óleo  de Arkan

Reconhecendo o potencial estratégico do lugar, já que muitas caravanas do deserto o atravessavam, um líder berebere  - Yusuf ibn Tasfin - construiu, em 1062,  muralhas ao redor do   acampamento   e canalizações subterrâneas. Foi também ele que começou a utilizar,  no local , a típica arquitetura de adobe de cor levemente rosada. Desenvolveu-se até que a cidade , outra vez,  foi invadida e parcialmente destruída. 


Medina

Foi recuperada , tempos depois,  por Yacub Al-Mansur, que construiu mercados cobertos, magníficos jardins e uma Porta Triunfal -  e ainda reconstruiu a Mesquita. Com o passar do tempo, entretanto, as atenções reais voltaram-se para Meknés e Fez e só retornaram a Marrakech no século XVI, ao estabelecerem nela um importante ponto comercial na rota de venda de açúcar. Em 1558, foi criado um Mellah, bairro judeu protegido, que muito contribuiu com a cidade.



À espera ...

Por muitos anos, houve idas-e-vindas históricas importantes para /em Marrakech,incluindo a triste retirada de tesouros daqui para levar a outras cidades. Em 1912, o Protetorado francês outorgou ao pachá Glaui poder sobre o sul de Marrocos, enquanto os colonizadores franceses e espanhois construíam a Ville Nouvelle, ampliando,assim, a cidade e melhorando as condições de vida da população.


Detalhes do interior da Medina


Depois da Independência de Marrocos, a cidade ficou sem um projeto definido. Houve, a seguir, um ressurgimento inesperado e sem precedentes: Hippies  impulsionaram a cidade, fazendo dela um mito, durante as décadas de 1960 e 1970. Foram relevantes, nesses anos, as visitas dos Rolling Stones, dos Beatles e de Led Zeppelin. Na década de 90, mansões particulares transformaram-se em B&B e começaram também os voos low cost, em finais de semana, para Marrakech. A situação se manteve boa até 2008, quando a crise mundial atingiu os mercados europeus, responsáveis por 80% dos visitantes.


Artesanato tradicional: luminárias


Em abril de 2011, um militante islamista colocou duas bombas num café, na praça El Fnna, que mataram 17 pessoas. A cidade foi muito prejudicada: turistas cancelaram suas reservas e investidores cancelaram negócios. Em 2013, começou um retorno gradual do turismo e dos investimentos. Para 2016, está prevista a inauguração do maior museu de arte contemporânea da África, aqui em Marrakech. Aposta-se na divulgação da cidade e no consequente aumento do turismo e do crescimento da economia.



Artesanato típico

O artesanato desta região é cuidadosamente feito e de muito boa qualidade. Misturam-se, algumas vezes, elementos inovadores com elementos tradicionais. Surgem galerias de arte que mostram e vendem trabalhos originais, que vão muito além de antigas figuras, como as mulheres de harém. Procurei endereços de galerias novas; faltou-me, porém, tempo para percorrê-las. Informaram-me que a Galeria Rê ( www.galeriere.com) e a Matisse Art Gallery ( www.matisseartegallery.com) têm um acervo bem interessante.


Google + mudou minha foto para P&B.Gostei

Em relação a compras, é um lugar bastante tentador. Gostaria de ter visitado a Assouss Cooperative d`Argane,  a Cooperative Artisanale des Femmes de Marrakech e a L´Art du Bain Savonnerie Artisanale. Mencionando cooperativas,  lembrei-me de ter visto um grande forno comunitário onde as pessoas preparam  o pão e levam ali para assar - parece que a cultura associativista é bem desenvolvida no País.


Interior da Medina


A Medina de Marrakech é a maior do Norte da África. Alberga hoje mais de 250 mil pessoas. As ruas, assim como em Fez, são também um labirinto, embora sejam mais largas e com a luz do sol mais presente. Está dividida em zonas ( ou bairros ) tal como funcionavam as cidades da Idade Média. Em cada zona, há Souks ( mercados) onde predomina a comercialização de um tipo de produtos. No concorrido Souk Smarine ,por exemplo, os tecidos constituem o produto principal à venda.


Ruelas da Medina

Há outros Souks bem  interessantes. O Larzal é o mercado de lãs; o Btana comercializa as peles, principalmente as peles de ovelha de cheiro muito desagradável. Mas eu gostei mesmo foi dos boticários, profissão muito antiga e variada no oriente. Todas as Boticas oferecem cosméticos tradicionais para serem usados nos lábios e nos olhos. A henna , muito procurada, é o único cosmético que as mulheres solteiras podem usar. O óleo de Arkan é a estrela da temporada - faz sucesso entre os estrangeiros.Vendem-se também componentes necessários para os feiticeiros, curandeiros ou magos, indivíduos bem respeitados, já que a magia é parte do cotidiano do país.



Praça de D´jemmaa El Fnna

D`jemma El Fnna, significa Praça dos Mortos. É  assim chamada porque nela, antigamente, eram executados os condenados à morte. Tornou-se um dos lugares mais festivos e movimentados da cidade, que consegue reunir tradição e modernidade - a parte antiga da cidade com a parte nova. No final da tarde, é ponto de encontro entre moradores, turistas e viajantes.É movimentada até a meia-noite.


Feira na Praça D´Jemma El Fnna









Há um grande café e restaurante, onde se pode ficar de frente para a Praça D´Jemma El Fnna e apreciar a diversidade de eventos que  diariamente são oferecidos. As pessoas, por exemplo, formam círculos ao redor de equilibristas e saltibancos, encantadores de serpentes, músicos, contadores de histórias, mágicos, e  lutadores de box. Os vendedores de água são figuras tradicionais também. Todos eles mostram suas habilidades em troca de moedas que esperam receber após o espetáculo ou a fotografia em que apareceram.





Os jardins, que sempre tiveram muita importância na cultura árabe, são locais de reflexão, repouso e tranquilidade.Desta vez, não visitei a nenhum deles. Costumam ter , no seu centro, um pequeno lago ou tanque, como reservatório de água para as plantas. O mais famoso é o da Menara, que tem a extensão de 88 hectares com 88 mil oliveiras, que foram inicialmente plantadas no século XII. O Olival da Menara era reservado para o sultão. Atualmente é um jardim aberto ao público.






Encontrei essas fotos antigas , em Marrocos, que muito bem mostram a minha antiguidade...São do tempo em que eu conseguia carregar, no ombro, em viagens, uma bolsa grande assim. A primeira foto é no majestoso e requintado Palácio da Baía. Desta vez, entretanto, no dia em que o grupo foi conhecê-lo, eu fiz um programa solo, caminhando pela Cidade Nova e vendo suas alterações. Gostei das cafeterias - cafeterias mesmo, onde não se oferece apenas chá de menta ( hortelã ).


Duda, minha amiga,  e eu na represa, a caminho de Marrakech.

Passados quase 20 anos da primeira vez que fui a Marrocos, senti - e vi - que ocorreram algumas mudanças no País. Não estou fazendo juízo de valor, nem consigo opinar sobre países onde não vivo cotidianamente. As mudanças mais simples e aparentes  para mim, no entanto, referem-se às mulheres, frequentando cafeterias, bares e restaurantes - algo que era inadimissível; mulheres dirigindo carros e motos; casais passeando lado-a-lado; além de flexibilização das leis de modo a dar condições e oportunidades a todos. As estradas estão bem cuidadas, há muitos hoteis e restaurantes considerados bons. Marrakech é uma interessante cidade - mas  eu continuo preferindo Fez.



Represa que abastece grande área de Marrocos


Viajei a Marrocos com a parte terrestre comprada na KTOUR, em Santa Maria. Comprei o pacote, que incluía as viagens internas, numa van com motorista e guia turístico: um senhor marroquino, bastante competente, fluente em português, inglês e italiano - as três línguas faladas no grupo, que era composto por 11 pessoas de três nacionalidades. Incluía, ainda, 8 diárias de hoteis 4 ou 5 estrelas e duas refeições por dia - mais os ingressos para todas as visitas e um jantar de encerramento com espetáculo folclórico. Excelente  custo-benefício. A parte aérea fiz pela Ibéria, desde Madrid, em 1h20min de viagem. Considerei boa a exceção de ter viajado com grupo desta vez, já que não costumo viajar empacotada. Gostei. Recomendo.



Feira  à margem da estrada

"O meu olhar azul como o céu
É calmo como a água ao sol.
É assim, azul e calmo,
Porque não interroga nem se espanta...

Se eu interrogasse e me espantasse
Não nasciam flores novas nos prados
Nem mudaria qualquer coisa no sol de modo a ele ficar mais belo..."

Fernando Pessoa

Vista do Médio Atlas a caminho de Marrakech

quinta-feira, junho 18, 2015

Fez : minha favorita em Marrocos.

Porta de Boujeloud
Amo Fez. Começo, portanto, com uma declaração de amor a mais fascinantes das cidades marroquinas. Encantou-me revê-la:  suas cores, formas, sons , sabores e odores.  Caminhar pela Medina  , dar passagem aos burrinhos transportadores de cargas, observar as roupas elegantes de homens e mulheres, ver artesãos trabalhando, olhar flores e frutas nos mercados, admirar toda sua fantástica arquitetura .... é inesquecível.


Delicados trabalhos em mármore


Fez  é a mais antiga das cidades imperiais. No ano 789, Idris I , fundador da primeira dinastia de Marrocos, considerou que Volubilis era muito pequena e decidiu construir uma capital nova e grandiosa. Mal o projeto foi iniciado, Idris morreu. Sucedeu-o Idris II , seu filho, que realizou a vontade do pai, Hoje a cidade tem mais de um milhão de habitantes, e o número de turistas que a visitam, aumenta a cada ano.




De fato, o conjunto urbano da Fez atual é composto por três cidades: Fez el Bali ( ou Fez Velha ); Fez el Jedid ( ou Cidade Nova) e a Ville Nouvelle, surgida com o Protetorado Francês no século XX. O núcleo inicial da Fez el Bali era um pequeno grupo berebere, até que chegaram oito mil famílias de muçulmanos andaluzes pricipalmente. Os primeiros refugiados vieram de Córdoba e de Granada. Depois, uniram-se a eles famílias árabes de Kairuã - atual Tunísia. Fez el Bali é considerada, desde 1981, pela UNESCO, como Patrimônio da Humanidade.

Conjugação de madeira nobre e cerâmica
Esses grupos aportaram significativo patrimônio a Fez, que  formou uma base sólida não só para a riqueza econômica, mas também para a riqueza religiosa, cultural e arquitetônica. O movimento de independência de Marrocos nasceu nesta cidade e , até hoje, quando há protestos, a repercussão é mais ruidosa aqui. Trata-se de um lugar com identidade muito definida e personalidade muito forte - interessante é que mantém o seu encantador perfil medieval.

Transporte mais usado na Medina
Além de ser considerada  a capital espiritual de Marrocos, Fez também é uma das cidades mais tradicionais e admiradas internamente. A maior parte da elite intelectual e econômica do país dela provém. Há uma crença de que a pessoa nascida na Medina de Fez é mais religiosa, mais intelectualizada e mais refinada. A esposa do rei de Marrocos é de Fez, e a família real passa muito tempo aqui - o que muito orgulha a população da cidade.




Entra - se, preferencialmente,  na Medina - verdadeiro labirinto com 9.400 ruas - pela Bab Boujloud , uma grandiosa porta azul e verde. Acredito que esse passeio deve ser  acompanhado por um guia. Imagino-me perdida aqui, numa noite de sexta feira 13 ,e sinto antecipado medo...Algumas ruas, além de curvas e bem estreitas, não têm saída. Terminam abruptamente.

Detalhe da fachada do Palácio Real
Vivem na Medina cerca de  160 mil pessoas. Não se pode distinguir a casa de um bilionário da casa de qualquer outra pessoas. É da cultura árabe não fazer demonstrações de riqueza . O interior da casa pode ser um palácio riquissimo, finamente decorado, com pátio ( jardim) de grande beleza - mas isso somente saberão os familiares e os amigos que nela entram. Ostentar riqueza atrai coisas ruins, inclusive inveja e mau-olhado . A simplicidade é uma virtude muito considerada.






















As portas de Fez el-Bali ( Fez a Velha ) são fotogênicas e curiosamente interessantes. Têm, por exemplo, dois timbres ( duas campainhas ), um para pessoas conhecidas; outro, para estranhas. Mostram muitos adereços tradiconais, como ferraduras, que acreditam trazer sorte e espantar mau olhado, é óbvio. Pelas dúvidas, já vou colocar uma na minha casa...Para quem, como eu, gosta de portas, é um lugar fascinante. Muitas portas belíssimas...nem vou legendá-las.São todas de Fez.























Há duas visitas imprescindíveis: palácio real, que ocupa 80 hectares, e bairro dos cortumes. E , quando se vai ao palácio real, deve-se - diz a lenda - passar a mão por uma de suas sete portas.Traz sorte! Da primeira vez que fui a Fez, visitei o bairro dos curtumes. Embora levasse um punhado de hortelã junto ao nariz, achei o cheiro insuportável. Desta vez, preferi perambular pelas lojas - especialmente de malas e bolsas , que são líndíssimas - a fazer uma segunda visita aos cortumes.

Mãos de Fátima
Fátima, cujo nome significa Única, teria sido a flha preferida de Maomé. A mão de Fátima é um amuleto contra o mal usado no Islamismo, no budismo  e no Judaísmo - embora no Judaísmo mude a procedência: o amuleto estaria ligado a uma irmã de Maomé, igualmente uma mulher e esposa perfeita. Atualmente,  pacifistas do Oriente Médio usam-na como símbolo esperança e paz na região. Sem querer dar chance para azar ou mau - olhado, trouxe algumas de diferentes países. As artesanais de Marrocos são belíssimas.



Artesanato de metal típico de Marrocos

Realmente o artesanato de Marrocos é uma de suas grandes atrações. Há muito o que ver. Sempre se acaba comprando alguma coisa - ou coisinha - tanto pela beleza das peças, quanto pela persistência dos vendedores. E há que regatear sempre, um costume que me cansa um pouco. Com o passar do tempo, nota-se uma grande diferença de durabilidade e de qualidade entre o que se compra em lojas bem conceituadas e o que se compra de vendedores de rua. 

Porta-Joias : artesanato marroquino tradicional
Há peças em prata ou em cobre - entre elas , admiráveis filigramas - delicadíssimas e cuidadosamente trabalhadas. As peças feitas com  madeira de cedro , que são vendidas em todo o país, são tão lindas quanto ruins de carregar - o mesmo ocorre com as lindíssimas cerâmicas. As roupas típicas - Chilabas, gandouras e albernozes - são difíceis de resistir. São feitas em algodão ou seda.

Tapetes árabes e beriberes
Por sorte sou alérgica a tapetes, assim fujo das tentações. Além de bonitos, são tantas as variedades quantas as tradições tribais. Os tapetes árabes são mais delicados e próprios para a cidade; os bérberes, chamados Kilims, são mais fortes e feitos com lã de ovelha. O couro, em acessórios diversos, mostra cores vibrantes e bonitas, mas cuidem que alguns têm cheiro nada agradável  e bastante  persistente.

Sobremesa
A gastronomia de Fez é a mais tradicional de Marrocos, com destaque para o couscous e o tarrine.O tarrine é um guizado graúdo, cozido numa panela de barro com tampa cônica que mantém o calor. Pode ser de peixe, frango ou cordeiro, geralmente complementado com amêndoas ou ameixas. Gostei das sopas, com muitas especiarias. Há outros tantos pratos, inclusive da cozinha internacional. Como sobremesa, vem uma fruta da estação,ou um bolo, ou um doce - seguidos sempre por um chá de hortelã.

Muralhas de Fez
A Mesquita e a Universidade - abrigadas no complexo denominado Kairauine - constituem o centro espiritual de Fez e talvez de todo o país. O complexo, fundado em 859 por Fátima el Fihria e ampliado pelos almorávides no século XII, pode receber até 20 mil pessoas durante a oração. Diz -se que a Universidade é a mais antiga do mundo com funcionamento ininterrupto. Kairauine só pode ser visitado por muçulmanos.

Muitas palmeiras pela cidade
Há outra universidade muito prestigiada em Marrocos :  Al Akhawayn, localizada em Ifrane, a 60 quilômetros de Fez, no Médio Atlas. Nessa pequena localidade, que se parece com a Suiça e que no inverno é famoso lugar de esquiar, há mansões luxuosas, com belos jardins. Comenta-se que são resdências de férias, pertencentes , a maioria, a moradores da Medina de Fez.


Artesanato de couro
A Cidade Nova - Ville Nouvelle fundada pelos franceses no inicio do Protetorado -  fica meio sem graça depois da visita à Medina. É como qualquer outra cidade grande, com muitos hoteis luxuosos e muitos restaurantes e cafeterias - adorei as cafeterias: tinham um café bem razoável. É interessante observar que os hoteis daqui são bem mais econômicos se comparados com os da parte antiga de Marrocos. A larga e extensa avenida Hassan II , a principal da Cidade Nova, tem canteiros bem cuidados, muitas flores e muitas palmeiras. Pode-se passear tranquilamente por ela, inclusive à noite - o que não é aconselhado fazer na Medina.

Palmeiras e canteiros de flores
Gosto de Marrocos, tanto que voltei a visitá-lo. Verdade que cada visita é única. Nada se repete igual. Não penso, entretanto, retornar, nem mesmo a Fez , cidade de que gosto mais. Fiz uma lista de prioridades e não foi possível colocá-la. Vai faltar vida. Simples assim.

Ruazinha da Medina

" Quando tornar a vir a Primavera
Talvez já não me encontre no mundo.
Gostava agora de poder julgar que a Primavera é gente
Para poder supor que ela choraria
Vendo que perdera seu amigo. 
Mas a Primavera nem sequer é uma coisa:
É uma maneira de dizer.

Escola marroquina com nome do fundador de Fez


Nem mesmo as flores tornam, ou as folhas verdes.
Há novas flores, novas folhas verdes.
Há outros dias suaves.
Nada torna, nada se repete, porque tudo é real."

Fernando Pessoa

Paisagem do Médio Atlas