quarta-feira, janeiro 29, 2014

Viver é preciso. Sim!


Escrevi muitas vezes que a vida é simplesmente isto: uma sucessão de chegadas e partidas. O sentido dessa afirmação me era leve, porque estava vinculado à escolha de um estilo de vida andarilho, que tanta alegria me proporcionava.
Nestas últimas semanas, percebo, entretanto,  desenhos marcantes de tristeza e dor no traçado das mesmas palavras. Percebo, na sucessão de chegadas e partidas, viagens sem retorno, ausências físicas e dores de cruel extensão. Já não há projetos, planos, partilhas.

Resta-me , no entanto, a vida  em oposição à morte. E viver é preciso. Abro, por isso , agendas, câmeras, cadernos e papeis avulsos, de onde retiro fotos e textos esparsos sobre Aachen, Bonn, Heidelberg e Colônia, na Alemanha, e Edinburgh , na Escócia, e, com esse material,  passo a compor e relatar aqui, no Correndomundo, passeios lindos, com lembranças bonitas , que amenizam dor e saudade. É a minha tentativa de  reencontrar um sentido para a travessia. Urge escolher um novo itinerário - e percorrê-lo até a partida final - única certeza de nossa humana transitoriedade.

segunda-feira, janeiro 13, 2014

Fernando Pessoa

Em 2009, Ronald e eu.



Ah, meu maior amigo, nunca mais
Na paisagem sepulta desta vida
Encontrarei uma alma tão querida
Às coisas que em meu ser são as reais.
..........................................................
Não mais, não mais, e desde que saíste
Desta prisão fechada que é o mundo,
Meu coração é inerte e infecundo
E o que sou é um sonho que está triste.
Porque há em nós, por mais que consigamos
Ser nós mesmos a sós sem nostalgia,
Um desejo de termos companhia —
O amigo como esse que a falar amamos.

Fernando Pessoa

quarta-feira, janeiro 08, 2014

Sobre o inesperado de uma viagem - 3a. e ultima parte.


( ...continuacao)
Pelos numeros dos monitores, percebi que a situacao dele piorava gradativamente. Pediram-me que eu saisse do quarto ( ocupavamos um quarto dentro do Intensive Care ) por 20 minutos. Iriam muda-lo de posicao e trocar alguns aparelhos. Vim para a sala de visitantes e recomecei a escrever - unica maneira que eu encontrara de me administar. A qualquer momento, tocaria o telefone da sala, autorizando-me a voltar para junto com Ron. Meus labios estavam secos, eu sentia sede, dor de cabeca, tremia muito, estava com medo e assustada. Dava-me conta de que nao temos informacoes minimas sobre a morte de qualquer ser humano - informacoes basicas, como respiracao, pressao, dor. Ate da morte - certeza absoluta - nossa visao eh idealizada.


Quando voltei ao quarto, encontrei-o limpinho e vestido com uma bata branca, com pequenos desenhos verdes e azuis. Pensei em contar a ele sobre o modelito que estava usando. Informaram-me que ele estava totalmente sem sedacao. Percebi que o estava testando no aspecto neurologico. Nao havia, entretanto, reacoes ou respostas.  Continuei falando com ele o tempo todo. Eu o abracava e contava das noticias enviadas, das mensagens recebidas, da preocupacao e da tristeza de tantas pessoas, em diferentes lugares do mundo. Relembrava nosso cotidiano: os meus tenis que ele lavava e punha os cordoes; os armarios que ele arrumava por eu ser baixinha; o cafe que ele aprendera a fazer no Brasil...Falava no Gifford, nosso Labrador, adotado pelo Antonio Angelo; falava da mesa de carpinteiro que ele esta construindo em Torres e do seu gosto de trabalhar com madeira; relembrava planos e projetos nossos. Falava de nossos filhos,de Jim, na China; de Kevin, em Oregon; de Gugu,na Bahia; de Patati em Atlanta; de Fabiana,em POA.


A enfermeira preocupa-se comigo. Mede minha pressao. Diz que esta alta no momento. Aconselha-me a procurar um cardiologista. Prometo que farei isso no Brasil. Surge um problema a mais: Pedro tem 14 anos e, neste pais, ninguem com menos de 16 anos, pode estar sem acompanhamento de adulto por ele responsavel. O gerente do hotel me comunica que Pedro nao pode mais ficar no hotel sem mim. O pessoal do hospital , por saber da situacao do Pedro, sente-se responsavel tambem. Improvisam, novamente, na ultima noite, um quarto para mim e para ele, numa sala dos funcionarios. Conseguem ate um DVD e filmes para o Pedro ver. Em torno de 02h, fui ver como Pedro estava. Ele acordou e propos-me uma troca: eu dormiria durante uma hora, e ele ficaria ao lado do Ron. Duas horas depois, ele me acordou. Havia mesmo estado, esse tempo todo, ao lado do Ron. 


De manha cedo, vim trazer Pedro ao Hotel. Em menos de hora, chamaram-me ao hospital para uma reuniao com  a medica e a enfermeira responsaveis pelo Ron. Como envolvia muitos termos tecnicos e era preciso que eu tivesse clareza da situacao, haviam chamado uma tradutora tambem. Detalharam o quadro cardiologico e neurologico do Ron, evidenciando a certeza de que nao havia mais funcao cerebral. As maquinas seriam, entao, desligadas. Perguntaram quanto tempo eu gostaria de estar sozinha com nele antes do desligamento. Pedi 15 minutos. Perguntaram-me onde eu queria estar quando os aparelhos fossem desligados totalmente. Escolhi ficar junto com ele. Deram-me todas as informacoes, incluindo o que ocorreria ate ele ser declarado morto. Perguntaram-me quais pessoas do hospital eu queria que estivessem presentes naquela momento. Pedi que fosse somente Louise, a enfermeira.


Voltamos as duas para o quarto do Intensive Care. Abracei o Ron. Contei-lhe o que seria feito, mesmo sabendo que ele nao me ouvia. Pedi-lhe que nao tivesse medo nem ficasse assustado. Louise ia desligando cada aparelho e me explicando a consequencia que teria. Eu chorava muito e o abracava muito forte. Por ultimo, ela me disse que desligaria o oxigenio, e ele deveria morrer em pouco tempo. desligou. Ele ainda viveu 15 minutos. Nesse tempo, a respiracao foi ficando mais suave, mais espacada, ate que parou completamente. Sua expressao ficou serena. Fechei-lhe os olhos e rezei, rezei tudo o que eu sabia rezar. As maquinas foram todas retiradas, e eu permaneci - acredito -  mais uns 15 minutos com ele, ate que consegui decisao e forca  para afastar-me.


Aguardava-me outra reuniao para que me orientassem como proceder a partir dai , no que se referia `a parte burocratica: atestado de obito ( que em poucos minutos me foi entregue ), registro desse atestado, pagamento do hospital pelo Seguro de Viagem - ou por mim; escolha da funeraria; rituais de cremacao; documentacao exigida para transporte da urna com as cinzas. Terminada a reuniao, voltei  onde estava Ron. Fiquei um tempo com ele. Tinha expressao serena. Estava bonito como sempre foi. Vim para o hotel avisar o Pedro, que me disse ja ter-se despedido do Ron, ainda de manha cedo.


A partir dai, ate este  momento, procuro ser a mulher corajosa e forte de que Ronald sempre se orgulhou. Meu unico objetivo eh preservar minha vida , unico bem que realmente importa , mesmo que seja uma vida dilacerada pela dor e pela saudade. Ainda nao sei como poderei continuar...mas vou descobrir e tracar o caminho. Sobram-me a memoria das boas  lembrancas e a certeza de que Ron e eu vivemos plena e intensamente o pouco tempo que tivemos casados: 4 anos, 6 meses e 20 dias. Ele inspirava  confianca, serenidade, afeto. Era essencialmente do bem. Eu fui prioridade na vida dele. Ronald deixa, a todos que o conheceram,  um legado de respeito , um exemplo de homem honesto, correto , trabalhador, sensivel e com inesgotavel condicao de amar.
Dorme doce, meu amor. Ajuda-me a cuidar das pessoas que amamos - nossos familiares e nossos amigos.Ajuda-me a continuar vivendo. Se existir mesmo vida apos esta, a gente se encontra, como se encontrou em Illinois, naquela festa de Natal, em  2005.

Sobre o inesperado de uma viagem - 2a. parte



Pedro e eu fomos para o apartamento no hotel, conectamos os notes e falamos rapidamente com pessoas da familia. Vi  que chegavam muitas mensagens. Nao as li; nao havia tempo. Mile, Viviana, Rosana,Ricardo Mendes e Gugu tentavam, a distancia, ajudar de diferentes formas, contatando embaixadas - do Brasil e dos Estados Unidos - enviando-me numeros de telefone e localizando amigos e amigos de amigos que vivem na Escocia. Voltei logo para o hospital, deixando o Pedro no Hotel. 


Encontrei Ron estavel - os numeros continuavam os mesmos. Fiquei com ele, segurando-lhe a mao, que estava muito fria. Pediram-me , depois, que saisse de perto, pois iam proceder a colocacao de um cateter nno pescoco. Sai. Acompanhou-me a lembranca de ter passado exatamente por isso, na UTI de Santa Maria, quando o mesmo procedimento foi feito com o meu filho. Confiei que Ron se recuperaria, assim como meu filho se recuperou. Eu precisava de esperancas.


Aqui estou agora, esperando ser chamada para perto de Ron. Escrevo na tentativa de diminuir minha tensao, de tornar mais leve a espera e de preparar-me para todas as esperas que estao por vir. Tenho esperanca de que vamos sair dessa e e continuar vivendo , como nos 4 anos e 6 meses que estamos juntos, numa delicada e cuidadosa relacao  de amor, companheirismo, solidariedade, partilha. Uma relacao de bondade, como me diz sempre a Neneca.


Nao retornei ao hotel. Decidi ficar, durante a noite, perto do Ron. O pessoal da enfermagem improvisou um quarto para  mim, numa sala dos funcionarios. Depois da meia-noite, expliquei ao Ron que dormiria um pouco, mas que estava por perto e que, a qualquer alteracao, eu seria chamada por Paul, o enfermeiro responsavel por ele. Dormi apenas uma hora. Retornei  ao meu lugar, entre monitores e multiplos aparelhos.



Conversou comigo uma outra pessoa, talvez fosse a chefe da unidade. Aconselhou-me a avisar os filhos do Ron e demais familiares. Percebi o que significava isso. Eu ja conhecia os numeros dos monitores e sentia cada mudanca como uma ameaca. Fui orientada por medicos e enfermeiros a conversar com o Ron - segundo eles, faria bem a mim e ttalvez a ele. Conversei muito. Relembrei fatos da nossa vida. Falei das pessoas que gostavam muito dele: Mile, Fernando, Pedro, Fabianinha, Marcel, Gugu, Cleber, Fabio, Rosana, Clovis, Adriana, Neneca, Antonio Angelo, Renildo e muitos, muitos outros.


Falei de nossa combinacao de que deveriamos ser cremedos e nossas cinzas incluidas `a terra  de um pequeno morro, no meu campo , na bela Uniao. Combinaramos que sobre nossas cinzas se faria uma cruz, com pedras do proprio campo. Relembrei pessoas de Illinois, familiares e amigos.Rezei muito.Rezei como Ron sempre fazia antes das nossas refeicoes.Minha dor de cabeca aumentava. Sentia-me no limite. Pensei no Pedro, sozinho no hotel. Tentei acalmar-me. Voltei ao meu improvisado quarto e escrevi este texto, porque escrever era minha alternativa de  acalmar-me, reunir forcas e administrar minha dor. Nao consegui dormir, voltei para junto do meu marido, que nunca me deixava sozinha, ate mesmo quando eu tinha uma simples gripe.


Escrevo, novamente, por necessidade de usar a minha lingua e tentar, com ela, analisar a situacao, planificar o que preciso fazer e tomar as decisoes necessarias. Escrevo tambem para nao me sentir tao soh. Consegui organizar um esquema de conexao com familia e amigos. Pedro reune as informacoes e, pelo IPad, repassa-as a algumas pessoas...Gugu contatou Jim e Kevin , os filhos do Ron. Jim, que mora na China, telefona-me com frequencia. Esta preocupado com o pai e comigo. Pediu-me para que eu tentasse dormir um pouco.Choramos muito e externamos nossos medos - mais medo que esperanca. Jim falou com o medico responsavel pelo Ron. As noticias foram muito ruins. Jim 'e favoravel  ao desligamento das maquinas.


Andreza, gaucha de Encantado,  amiga de Viviana Neves, veio encontrar-nos no hotel. Ela mora em Edimburgo. Levou-me para comprar um celular e trouxe -me ate o hospital. Solidaria e atenciosa, ofereceu-se para nos ajudar aqui. Numa vinda para o hotel, um velho taxista, vendo-me chorar, perguntou-me o que acontecera. Contei-lhe. Ao saber que Pedro e eu estavamos sozinhos, parou o carro, escreveu num pedaco de papel os nos. de seus telefones de casa e celular. Disse-me que se eu precisasse de ajuda, telefonasse que ele e a esposa viriam nos ajudar.Choro muito quando algo assim me testemunha o quanto de bondade existe num mundo onde insistimos em enxergar apenas o ruim. Conversei com Pedro sobre  voltar ao Brasil. Ele reafirma que a prioridade  somos o Ron e eu - e esforca - se para ajudar e para cuidar de mim.


Na noite seguinte, dormi no hotel, conforme Jim me pedira. Tomei um tranquilizante e dormi durante 6 horas. Tomei cafe com Pedro e logo chamei para o Intensive Care. Disseram-me que eu fosse imediatamente para o hospital. Fui e encontrei Louise , a doce e competente enfermeira que assistia Ron. Fui informada de que ele havia piorado, estava sendo aquecido para ver se reagia. Agora rins, coracao e pulmao funcionavam com aparelhos. Perguntaram minha opiniao sobre o desligamento das maquinas que o mantinham vivo. Ja sabiam que os filhos do Ron eram favoraveis ao desligamento. Pedi um tempo para pensar e fui para junto dele.


Voltei a falar com Ron. Pedi-lhe ajuda. Ele deveria decidir sobre a vida dele. Repeti isso. Vi , pela primeira vez, uma lagrima escorrer pelo rosto dele. Mostrei para a enfermeira. Ela assegurou-me que era uma reacao mecanica, porque ele havia vomitado. Eu ainda acredito que nao. Esperava-se quem depois de aquecido, houvesse alguma reacao. Nao houve. Ele parecia muito tranquilo. Passei a falar com ele sobre o tempo em que estiveramos juntos, como o haviamos aproveitado bem, de como minha familia e meus amigos gostavam dele e de como os filhos dele gostavam de mim. Falei depois sobre nossos mortos amados:  nossos pais, os irmaos dele, a filha que ele perdera. Falei muito sobre Daniel, nosso amado Dan, pai adotivo dele e que morrera ha pouco tempo. Disse-lhe que nao sentisse medo e nem se sentisse sozinho nessa hora.


Como na Escocia so o medico pode determinar o desligamento das maquinas, informaram-me que esperariam ate o dia seguinte . Estou convencida de que temos um limite de forcas alem do limite que pensamos ter. O resto deste dia, a noite toda e ate as 11 horas da manha comprovaram-me isso. Administrei a minha dor no limite do que me foi possivel. Perguntaram a religiao do Ron e ofereceram-se para chamar um ministro protestante. Concordei. Veio um senhor e rezou pelo Ron e, mais ainda, por mim. Falei com Gugu. Ele me pediu que nao permitisse o desligamento das maquinas. Choramos muito. Expliquei-lhe que essa decisao nao era nossa. Eu seria apenas comunicada dela - como o fui na manha seguinte..........

sábado, janeiro 04, 2014

Sobre o inesperado de uma viagem - 1a. parte



Dia 2 de janeiro, fiquei no hotel todo o dia, enquanto Ronald e Pedro foram ao Lago Ness. Estava angustiada, com dor no joelho e sentia necessidade de ficar soh, de ficar parada. Eles voltaram bem, contando as avbenturas do dia. Ron disse que se lembrara muito de mim quando fizeram um passeio de barco, durante meia hora, pelo Ness. Eu havia organizado nossa bagagem e revisado tudo para o dia seguinte irmos a Bristol. Lembro que Ron foi ao banheiro, duas vezes, durante a noite, mas me pareceu que voltara a dormir tranquilo.


`As 06h , despertou o relogio. Notei que ele estava respirando com dificuldade, o que era comum acontecer de manha por causa da asma de toda a vida dele.Era cedo para o cafe , que comecava as 07h no hotel, onde estavamos hospedados a uma semana. O funcionario da recepcao sugeriu, entretanto, que fossemos tomar cafe, ja que estava tudo preparado. Descemos.Eu tomei cafe puro; Pedro comeu algo; Ron nao quis nada. Falei na respiracao dele - disse-me que era o problema de sempre e que eu ficasse tranquila.

Haviamos decidido ir caminhando ateh a estacao central de trens, jah que era perto e tinhamos tempo. Caminhamos menos de duas quadras, e o Ron comecou a passar mal. Assustei-me porque ele me disse que sentia dor no estomago e queria ir ao banheiro. Sugeri que voltassemos para o hotel. Ele, entao, parou, comecou a respirar pior ainda, a ficar palido e a gemer desesperadamente. Por sorte, Pedro viu passar um taxi e chamou. Assim que entramos no carro, Ron comecou a ter fortes dores no peito. Pedro e eu dissemos ao motorista que nos levasse urgente a um hospital.

O hospital era longe. Creio que levamos uns 15 minutos para chegar. De 3 a 5 minutos da chegada - nessas horas eh dificil precisar medida de tempo -  ele desmaiou. Pedro e eu o seguramos. Nesse momento, senti seu pulso inexistir e percebi que ele parara de respirar. A cabeca dele caiu sobre o meu ombro. O hospital estava perto; nos o avistavamos. Assim que o carro parou, o taxista chamou  uma pessoa que estava na frente da emergencia e , imediatamente, apareceram quatro outras pessoas. Ron foi retirado do carro, colocado numa maca, que desapareceu no corredor do hospital, antes mesmo que saissemos do carro.Foi tudo muito rapido, mas muito mesmo.

Apareceu mais alguem do hospital ( Royal Infermary of Edinburgh ) , retirou nossa bagagem do taxi e acomodou Pedro e eu numa sala. Estavamos assustadissimos. Lembro que eu tremia muito. Veio , inicialmente, uma moca para saber a data de nascimento do Ronald. Perguntei a ela se Ron estava vivo. Respondeu-me que um medico viria falar comigo. A mesma moca voltou outra vez, mas sem informacao nova. Disse apenas que havia leite, cha e agua na sala onde estavamos e que precisavamos aguardar ali.


Apos um tempo que foi o mais longo e dificil da minha vida, o medico veio. Era o intensivista. Muito gentil e preciso, perguntou-nos das nossas relacoes familiares com o Ronald, onde moravamos, se estamos em ferias. Depois perguntou-me se ele era fumante - respondi que nao;  como era a saude dele - respondi que fora a asma, era otima. Meu panico era tal que varias vezes pedi que Pedro traduzisse o que ele me dizia.Nao entendia, naquele momento, o ingles e o mundo que me rodeava.


Soh me fixei numa unica frase dita pelo medico: Ronald estah vivo. Disse que ele havia tido um enfarto, sido ressuscitado e estava passando por uma serie de exames para que fosse avaliada a extensao das consequencias disso. Disse que o tempo que ficara sem oxigenio, poderia ter-lhe afetado o cerebro, o que soh saberiam com exames posteriores, depois de 24 horas. 


Logo depois, uma outra moca, penso que assistente social, veio falar conosco, dizendo que Ronald estava em coma induzido. Retornou o medico , perguntando se eu precisava de algo. Falei que gostaria de telefonar para minha familia no Brasil. Ele mesmo fez a ligacao para que eu falasse com o Mile em Torres. Informou-nos tambem que Ron permaneceria talvez uma semana na UTI - Intensive Care. A seguir, vieram duas pessoas com a assistente social e nos transferiram, com bagagem e tudo, para uma sala proxima ao Intensive Care, onde ficamos umas duas horas, aguardando noticias.


Soubemos, entao, que Ron havia sido transferido da emergencia onde fora atendido para o Intensive. Uma moca muito gentil, como todas as outras, acompanhou Pedro e eu ateh onde estava Ron. Deram-nos cadeiras para sentar e disseram poderiamos ficar com ele o tempo que quisessemos. Ver Ron todo conectado por fios, cheio de tudos e todo marcado por esparadrapos e agulhas foi uma dor tao intensa que me parecia fisica tambem.


Nessa hora, Pedro me disse que Ron nao morreria, que ia voltar para Torres, onde ele, Pedro, ficaria muitos dias conosco. Disse que gostava muito do Ron e nao queria perde-lo. Disse, ainda, que estava com muito medo e nervoso, mas que eu e ele nos ajudariamos a superar essa historia ruim. Pedro falava muito comigo. Com seus 14 anos, era um adulto sensivel e lucido. 


Naquele monento eu me senti muito proxima de Ron, segurava-lhe a mao e rezava todas as rezas de todas as religioes que eu conhecera. Falava com ele, dizendo-lhe o quanto eu o amava e que, por isso, nao suportaria perde-lo.Lembrei-me de haver vivido dor semelhante quando Patati, meu filho, foi picado por cobra cascavel. Ateh minha reacao fisica era a mesma: eu tremia muito, sentia dor de cabeca e sentia frio, como se um ar gelado soprasse sobre mim.


Pedro e eu ficamos 4 horas no Intensive Care. Com a ajuda do pessoal da enfermaria, localizamos um hotel proximo ao hospital - 8 min de3 taxi. Fomos ate o hotel com toda a bagagem nossa e do Ron e mais um pacote que me entregaram com tudo o que ele usava quando deu entrada na emergencia. Foi uma dor imensa ver as roupas dele, os tenis, o relogio...As roupas cortadas testemunhavam a urgencia com que fora atentido. No hotel, o funcionario da recepcao, ao olhar meu passaporte, disse que eu falasse portugues, que ele era de Lisboa e que percebia que eu estava muito nervosa. A cada manifestacao de " humanidade" eu fragilizava muito. Queria mesmo era o Ron, a familia e os amigos por perto .


Escrevo na tentativa de dimunuir a tensao, de sentir-me menos confusa e desesperada, de agradecer `as pessoas pelo afetos e preocupacoes demonstradas. Amanha, continuarei. Preciso de forcas para administrar a minha dor.